ANA BOTALLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cinco anos desde que as autoridades sanitárias de Wuhan, na China, divulgaram os primeiros casos de Covid, em 30 de dezembro de 2019, questões ainda encontram-se em aberto acerca da origem do Sars-CoV-2.
Cientistas chegaram muito perto de encontrar pistas sobre os possíveis animais que podem ter servido como fonte transmissora do Sars-CoV-2 para humanos, mas ainda não foi identificado o hospedeiro do vírus na natureza.
Ainda em 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) organizou uma força-tarefa com o governo chinês para buscar a origem do coronavírus. Em relatório preliminar divulgado no ano seguinte, a entidade disse ser “muito provável” que o vírus tenha se disseminado de um animal infectado no mercado de Huanan, em Wuhan, ligado a casos de pacientes infectados já no final de novembro e início de dezembro de 2019.
Em 2022, um novo relatório da autoridade sanitária disse que o animal teve contato “provavelmente [a partir] de morcegos portadores de um ancestral do coronavírus”, mas esse elo nunca foi completamente desvendado.
Enquanto isso, o governo chinês, que é um regime ditatorial, foi criticado por esconder informações e não compartilhar os dados sobre os primeiros casos já no início da pandemia.
Procurada, a OMS disse, em nota, que solicitou à China o acesso de dados para realização de estudos de maneira transparente.
Afirmou, ainda, que um primeiro relatório forneceu as recomendações preliminares para elucidar a origem da Covid e que está atualmente finalizando a sua avaliação independente dos dados, que devem ser publicados assim que o relatório final for concluído.
“Até lá, todas as hipóteses, tanto de origem natural quanto de falha de biossegurança, ainda estão na mesa”, declarou a entidade.
Estudos sobre a origem de doenças zoonóticas, isto é, aquelas em que o agente infeccioso passa a infectar também humanos após um evento conhecido como “spillover” a partir de outras espécies, podem levar anos e nunca serem totalmente desvendados, afirmam especialistas.
“Algumas das doenças zoonóticas que hoje afetam os humanos, como mpox e Ebola, demoraram anos até chegar a um potencial hospedeiro. E, mesmo no caso do Ebola, ainda não sabemos exatamente qual é a espécie de morcego africano que é hospedeiro primário do vírus na natureza”, afirmou o virologista Flávio Fonseca, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ele lembra, porém, que pesquisas divulgadas recentemente podem nos colocar cada vez mais perto dessa descoberta para o Sars-CoV-2.
Em artigo publicado em setembro deste ano na revista Cell, cientistas independentes analisaram amostras coletadas de animais que eram comercializados no mercado, bem como de vírus com os quais estes estavam infectados. Uma sequência genética obtida de um cão-guaxinim (Nyctereutes procyonoides) apresentou uma similaridade de mais de 90% com o Sars-CoV-2.
“As amostras foram, inclusive, coletadas de animais ainda vivos, o que mostra que, já naquela época, esses animais foram expostos ao Sars-CoV-2”, disse Fonseca. Um outro estudo, apresentado na forma de resumo em um congresso científico no Japão em dezembro, também aponta para a presença de animais doentes no mercado no início da pandemia.
Embora tais evidências apontem para uma origem do vírus a partir de um hospedeiro animal, esta não seria exatamente natural, pois houve algum tipo de interferência humana, seja no habitat onde esses animais foram caçados, seja no transporte deles até o mercado. E ainda não foi elucidado o responsável por levar o vírus ao mercado.
Por outro lado, o governo americano aponta para a hipótese de um escape laboratorial a partir do Instituto de Virologia de Wuhan (WIV, na sigla em inglês), embora as evidências para tal hipótese sejam fracas, segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos.
No último dia 4 de dezembro, o subcomitê para a Pandemia da Covid-19 do Senado americano liderado pelo partido Republicano divulgou um relatório afirmando que o Sars-CoV-2 “provavelmente se originou de um acidente em laboratório ou de uma pesquisa relacionada” ao vírus.
As conclusões do subcomitê se baseiam sobretudo em relatos, cuja fonte é atribuída ao Serviço de Inteligência dos EUA, de pesquisadores que apresentaram doença respiratória “similar à Covid-19 ou gripe” no final de 2019.
Os senadores americanos ainda afirmam que os cientistas no WIV estariam realizando pesquisas de “ganho de função” com betacoronavírus, a mesma família do Sars-CoV-2, e que tais pesquisas podem ter levado à criação de “quimeras, ou combinações de coronavírus semelhantes ao Sars através de engenharia genética”.
Shi Zhengli, virologista sênior no centro responsável pelas pesquisas com coronavírus, disse em uma apresentação científica, também no Japão, no último dia 6, que nenhuma amostra que ela estudava era de vírus da Covid. “Não encontramos nenhuma sequência nova que seja mais intimamente relacionada ao Sars-CoV-1 [causador da Sars] e ao Sars-CoV-2”, afirmou.
A pesquisadora era colaboradora da EcoHealth Alliance, uma organização não governamental americana cujo objetivo é preparar o mundo para possíveis doenças infecciosas emergentes a partir do mapeamento de vírus em animais, como morcegos.
Para Fernando Spilki, virologista da Rede Corona Ômica ligada ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), os estudos recentes apontam como é preciso repensar o modo de consumo de animais e de interferência humana no meio ambiente.
Eventos como esse, segundo ele, estão muito bem explicados a partir de modelos de alterações climáticas e fragmentação de habitats. Por essa razão, não é preciso esperar encontrar o hospedeiro primário para chegar à conclusão de um “spillover”.
“Não adianta querer encontrar uma hipótese de arma biológica simplesmente para desviar a atenção da nossa responsabilidade nesse processo de surgimento de novas pandemias por causa da ação humana.”
Por isso, pesquisas como a de Peter Daszak, da EcoHealth Alliance, e Shi Zhengli, não devem parar, avalia Clarissa Damaso, chefe do laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “É preciso investir em bons grupos de pesquisa que podem dar direções sobre possíveis eventos emergentes no futuro”, diz.