SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As estatais federais sofreram um processo de deterioração durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo especialistas. O resultado primário das companhias levantado pelo Banco Central corrobora essa visão.
Segundo dados atualizados do BC, de 2023 até outubro deste ano, o rombo nas empresas públicas federais somou R$ 5,1 bilhões. Apenas neste ano até outubro, o déficit foi de R$ 4,45 bilhões, o maior da série histórica para o período, descontada a inflação. Por enquanto, também é o maior de todos os anos fechados.
A base de comparação são os anos desde 2009, quando o BC deixou de colocar na conta a Petrobras e a Eletrobras que, por serem empresas muito grandes, acabam distorcendo os números. Os bancos públicos também não são contabilizados já que, pela natureza do negócio, não são equiparáveis a companhias não financeiras.
Para efeito de comparação, durante os dois últimos anos do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, quando as contas públicas e das estatais entraram em um processo bastante crítico, o déficit dessas companhias foi menor do que o valor atual. De 2013 até outubro de 2014, o rombo nas empresas públicas federais foi de R$ 1,8 bilhão. Descontada a inflação, ficou em R$ 3,1 bilhões.
Se a Petrobras for levada em conta, a situação foi mais precária sob Dilma. Além das inúmeras intervenções nos preços praticados pela petroleira e de investimentos inchados, a estatal esteve no centro das investigações da Operação Lava Jato, que revelou um rombo bilionário relacionado a corrupção na empresa.
Consultado, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos disse que apenas o resultado primário não é capaz de avaliar a saúde financeira nem o desempenho das empresas. Segundo a pasta, esses fatores só podem ser avaliados nas demonstrações de resultados de cada companhia.
“Em 2023, as 44 estatais federais e suas subsidiárias geraram lucro líquido de R$ 197,9 bilhões e recolheram R$ 49,4 bilhões em dividendos e Juros sobre o Capital Próprio para o Tesouro Nacional, além de outros R$ 78,7 bilhões para acionistas privados”, disse a pasta em nota enviada à reportagem.
Ainda segundo o ministério, parte expressiva desse déficit exposto nas estatísticas do BC corresponde a investimentos feitos pelas companhias.
Ainda assim, para a economista Elena Landau, responsável pelo programa de desestatização durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a situação é preocupante. Segundo ela, os dados das estatais federais só tendem a piorar nos próximos anos.
Landau critica a liminar do então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski que afrouxou a Lei das Estatais em março do ano passado para permitir indicações do presidente Lula nas companhias públicas.
A decisão derrubou, por exemplo, a quarentena de 36 meses imposta a dirigentes de partidos políticos ou de pessoas que tenham atuado em campanhas eleitorais, permitindo que elas ocupassem cargos de direção em empresa pública e sociedade de economia mista.
A nomeação de Aloizio Mercadante (PT) para a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) foi uma das indicações que foram concretizadas após as mudanças na lei tanto pelo Supremo como pelo Congresso no início do governo de Lula.
Segundo Landau, mesmo que o tribunal depois tenha derrubado a liminar em plenário, os nomes indicados continuam nos conselhos de administração e na direção das estatais. Para a economista, muitas dessas indicações não seguem os critérios técnicos definidos pela Lei das Estatais e foram usadas como moeda de troca política.
O resultado disso, afirma, é uma piora da alavancagem (endividamento para realizar investimentos) das empresas públicas.
“Na época do governo da Dilma, todas as estatais estavam em situação de fragilidade. Se não fosse a dependência delas do Tesouro, muitas teriam entrado em recuperação judicial e ido a bancarrota. Quando [o ex-presidente Michel] Temer entrou, houve um choque de governança nas empresas públicas. Agora, Lula está repetindo os mesmos erros do passado”, diz Landau.
“Ele voltou a usar as estatais para políticas públicas, só pensa em gastar, está tentando intervir nas estatais e até em empresas que foram privatizadas, como Vale e Eletrobras, e voltou a investir em refinarias na Petrobras, o que foi um desastre no passado”, afirma.
Além de preservar a saúde financeira das empresas, Landau diz que a Lei das Estatais é um importante instrumento de proteção do governo contra as pressões políticas do Congresso. Muitos parlamentares usam indicações de nomes apenas para influência política e complemento de salários para seus indicados. Com a lei, o governo pode rejeitar indicações que não sejam técnicas sem ônus político.
O economista Fernando Antônio Ribeiro Soares, que foi diretor de coordenação e governança das empresas estatais durante o governo Temer, considera que as empresas públicas estão passando por um importante processo de deterioração de resultados e governança. Mas ele acredita que o próximo ano será crucial para um ponto de virada nesse sentido.
O mandato de conselheiros e diretores de estatais é de apenas dois anos. Com isso, entre março e abril de 2025, as empresas precisarão escrutinar esses nomes antes de uma renovação de mandato. Ele acredita que, com a derrubada da liminar de Lewandowski, se as pessoas que ocupam esses cargos estiverem desrespeitando a Lei das Estatais, terão que ser trocadas.
“A decisão do STF foi muito importante para validar a Lei das Estatais e, no processo de renovação de mandatos, as empresas terão que olhar as vedações impostas às nomeações. Se alguma estiver fora da lei, terá que ser revista”, afirma.
Mesmo que isso ocorra, Landau diz que o governo encerrou o ano com uma “cereja no bolo”. Assim ela classificou os últimos decretos da ministra Ester Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos), um deles que reduz a dependência das estatais do orçamento do Tesouro.
Um dos principais alvos da medida é a Telebras, companhia pública do setor de telecomunicações. A estatal, que passou a depender de recursos da União em 2020, conseguiu melhorar seu caixa, mas tem esbarrado em limites orçamentários para honrar suas despesas e enfrenta dificuldades para pagar fornecedores em dia.
“A realidade é que a Telebras não tem função pública. Esses decretos da ministra Dewck foram um retrocesso enorme, porque essas estatais que eles miram nunca deram lucro e acabam servindo para receber indicações políticas”, diz Landau.
Os economistas concordam que as estatais precisam cumprir sua função social. Soares diz que elas têm que existir para contribuir com a segurança nacional e servir para o interesse coletivo. Justamente por isso, quando elas não exercem esse papel, ele defende que precisam ser privatizadas.
O professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Nelson Marconi, coordenador do CND (Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo), diz que é preciso um olhar mais aprofundado para cada estatal e afastar o viés ideológico dessa análise.
Ele enxerga aspectos positivos e negativos na gestão das empresas públicas pelo governo Lula. No caso da Petrobras, especificamente, ele diz que a companhia tem retomado seu papel com os investimentos feitos em refinarias, por exemplo.
Marconi afirma que esse tipo de investimento em estatais traz retornos econômicos e em termos de infraestrutura interessantes para o país, que reverterão no futuro os resultados da companhia.
O professor afirma, porém, que ainda há muitas estatais sendo utilizadas para distribuição de cargos e de verbas a políticos e que não trazem um retorno à sociedade.
Ele citou como exemplo o caso da Codevasf. Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) revelou que mais de R$ 3,5 bilhões em emendas parlamentares foram investidos em obras de pavimentação feitas sem critério técnico ou de necessidade durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e no primeiro ano da gestão Lula por meio da estatal.
Nesses casos, Marconi defende que a empresa pública seja extinta ou privatizada.
“A empresa até pode gerar seu déficit para fazer investimentos necessários, mas o gasto corrente tem que ser equilibrado e a companhia precisa trazer um retorno à sociedade. Infelizmente, o governo não tem o costume de fazer essa conta”, diz.
No caso de empresas que tenham uma importância social clara, mas que estejam sendo má geridas, ele defende uma revisão de sua estrutura para aumentar a eficiência.
Ele cita como exemplos o caso da própria Telebras e dos Correios. “A Telebras era importante no passado. Hoje ela pode ser muito menor que antes e servir apenas para garantir que os serviços de telefonia cheguem a áreas que não são rentáveis para empresas privadas. O mesmo serve para os Correios”, diz.