SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Relatos de investigadores do Azerbaijão indicam que o avião da Embraer que caiu no Cazaquistão na quarta-feira (25) foi abatido acidentalmente por um míssil antiaéreo quando se aproximava de Grozni, capital da república russa da Tchetchênia, para pousar.
A informação foi passada a diversos veículos de mídia, como a agência Reuters e o canal de TV Euronews, de forma ainda anônima. A apuração do caso está em curso, e poderá ter a ajuda da fabricante paulista a Força Aérea Brasileira (FAB), que também pode participar da iniciativa devido à produção brasileira da aeronave, informou nesta quinta (26) que enviou três investigadores para oferecer suporte técnico. Oficialmente, o governo azeri disse não haver conclusão formal sobre o caso.
A hipótese, conforme a Folha adiantou na quarta, decorre da análise de danos à cauda do Embraer E-190, que ficou quase intacta após a tentativa de pouso sem controle por parte dos pilotos em Aktau, na costa leste do mar Cáspio.
Nela, são visíveis furos na fuselagem compatíveis com o que acontece quando um míssil antiaéreo explode. Ele não atinge o alvo, e sim detona a certa distância para produzir uma nuvem de estilhaços, maximizando o dano ao inimigo.
Segundo analistas ouvidos pela reportagem, nenhum choque com pássaros, como foi ventilado pelos russos, causaria tal dano.
Além disso, relatos de sobreviventes indicam uma explosão do lado de fora do avião. Vídeo feito por um deles também mostra estragos semelhante a pequenas perfurações que atingiram o sistema de máscara de oxigênio da aeronave. Ao menos um colete salva-vidas do avião foi furado por estilhaços.
Vídeos da tentativa de pouso em Aktau apontam que o avião estava sem controle total de seu sistema hidráulico, manobrando à base do empuxo de seus motores, subindo e descendo de forma pouco controlada. Os profundores, as asinhas na cauda do avião que o fazem subir e descer, e o leme do estabilizador vertical estavam cravejados pelos estilhaços.
Morreram na tragédia 38 dos 67 ocupantes do aparelho, que tem histórico operacional impecável.
A Rússia ainda não comentou o relato. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que não seria prudente comentar enquanto a investigação estava em curso. A cautela sugere que, se ficar claro o cenário do abate acidental, Moscou deverá aceitar a responsabilidade, não menos porque tem boas relações com o Azerbaijão.
No momento em que o voo operado pela Azerbaijan Airlines voava sobre território russo, havia registro de ataques com drones ucranianos na região. O aeroporto de Makhachkala, capital do Daguestão, estava fechado quando o E-190 sobrevoou a área.
Oficialmente, autoridades de Grozni disseram que o aeroporto da cidade tinha pouca visibilidade para pouso, devido à neblina, e o voo foi desviado. Por que ele atravessou de forma errática o mar Cáspio e não rumou para algum aeródromo russo não foi explicado.
Segundo o relato da Reuters e da Euronews, os azeris disseram que os russos não permitiram o pouso e orientaram a nova rota Aktau seria o aeroporto mais próximo, apesar de estar a centenas de quilômetros.
O rastreio foi quase impossível porque a região é fortemente influenciada por bloqueadores de sinal de GPS. O mar Cáspio, apesar de distante do teatro da Guerra da Ucrânia, é um dos pontos preferidos de disparo de mísseis de cruzeiro carregados por bombardeios estratégicos russos contra o país vizinho.
Assim, a navegação sobre a região é afetada, visando proteger os aviões militares de ataques.
Já ataques de drones são problemas corriqueiros na Rússia. Nesta quinta (26), os quatro aeroportos de Moscou e o de Kaluga, a 160 km da capital, foram fechados temporariamente por ameaça de um ataque maior, que não ocorreu.
ZONA DE CONFLITO AMPLIA RISCO DE ABATE ACIDENTAL
Se confirmado o abate acidental, ele se unirá a uma longa lista de incidentes do gênero. Um dos mais notórios ocorreu sobre o leste da Ucrânia em 2014, no início da guerra civil que desembocou no conflito atual entre Moscou e Kiev.
Um míssil disparado de um território controlado por separatistas russos atingiu um Boeing-777 da Malaysia Airlines, matando 298 pessoas. A Rússia nega ter fornecido a bateria antiaérea aos revoltosos de então.
Em 2020, um avião comercial ucraniano foi derrubado por engano pela defesa antiaérea do Irã ao decolar de Teerã, deixando 176 mortos. O contexto também era de guerra: os iranianos haviam acabado de retaliar contra alvos americanos no Oriente Médio, após os Estados Unidos matarem o mais importante general do país em Bagdá.
Ucranianos também estiveram envolvidos, neste caso com uma certa ironia histórica, na derrubada de um Tupolev-154 russo sobre o mar Negro em 2001. Naquela ocasião, Kiev fazia um exercício militar conjunto com a ainda aliada Moscou quando o míssil antiaéreo foi disparado, matando 80 pessoas.
Em 1988, foi a vez de os EUA derrubarem um Airbus-A300 da Iran Air no golfo Pérsico, durante patrulha em que um navio confundiu o aparelho com uma aeronave hostil. O incidente deixou 290 pessoas mortas.
Também nos estertores da Guerra Fria, a União Soviética abateu um Boeing-747 da Korean Air que errou o caminho e invadiu seu espaço aéreo no extremo leste do país. O incidente, no qual pereceram 269 ocupantes, agravou ainda mais as tensões do ano de 1983, o ponto mais próximo de um conflito entre soviéticos e americanos desde a crise dos mísseis de 1962.