SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nos palcos e salas de espetáculos, o ano de 2024 teve destaques como a estreia no Brasil de ópera escrita por Antonin Dvorak e apresentação do pianista-ídolo islandês Vikingur Ólafsson com a Osesp, além da reabertura do Teatro Cultura Artística.
Para escolher o que de melhor foi apresentado, a Folha de S.Paulo reuniu as indicações de um crítico e um jornalista especializados. Veja a seleção a seguir.
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GUSTAVO ZEITEL
REPÓRTER DA FOLHA
Rusalka (ópera)
Estreada na Ópera de Tenerife, a ilha espanhola cravejada por vulcões, a tragédia da ninfa Rusalka, escrita pelo tcheco Antonin Dvorák, aportou no Rio de Janeiro, sob direção de André Heller-Lopes e regência de Luiz Fernando Malheiro. Foi a estreia brasileira de um título que arrebata admiradores ao redor do mundo, com encenações nos principais palcos da Europa e dos Estados Unidos. Aqui, a beleza e a importância da obra romântica ajudam: música e libreto recriam o lago e a noite, temas característicos do compositor alemão Richard Wagner. Em esteio sombrio, desenrola-se esse drama, em que a sereia perde a voz, tentando consumar o amor. Em montagem apresentada, mês passado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Heller-Lopes, o diretor, insere no cenário uma orquestra sem músicos, tematizando o vazio típico da melancolia. A noite cai em globos, daqueles de festas, que refletem as luzes e incluem a plateia numa atmosfera onírica. Em cena, os melhores cantores do país: a soprano Eliane Coelho, a mezzo Denise de Freitas, o tenor Giovanni Tristacci. Já Ludmilla Bauerfeldt, soprano, mostrou preparo ao interpretar a personagem-título. Mesmo abandonado pelo governo do Rio de Janeiro, o Municipal conseguiu abrigar, enfim, uma ópera digna de sua grandeza.
Víkingur Ólafsson e Osesp (concerto)
Astro do streaming, o pianista islandês Víkingur Ólafsson protagonizou uma noite apoteótica, na Sala São Paulo, ao tocar o “Concerto para Piano”, de Schumann, com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp. É raro presenciar momentos como aquele, em que solista e orquestra se amalgamam em perfeição musical. Mérito também para o maestro austríaco Christoph Koncz. Na mesma noite, ele regeria ainda “Pelléas e Mélisande”, de Schöenberg, para uma plateia menor: algumas pessoas saíram no intervalo, pensando que teriam de ouvir uma obra atonal. Como se sabe, não é o caso desse poema sinfônico, cuja numerosíssima orquestração provoca um engarrafamento de sons, em tensa harmonia. Voltando ao pianista, Ólafsson tornou-se um fenômeno global, não só pelo virtuosismo apresentado na capital paulista. Ele sabe manejar certas características do mercado e se tornou um exemplo de instrumentista contemporâneo. Ólafsson é um tipo sedutor, que encanta com elegância, carisma e, sobretudo, capacidade de comunicação com seu público. Ele é um ídolo.
SIDNEY MOLINA
PROFESSOR E CRÍTICO DE MÚSICA
O Olhar de Judith (ópera)
A dobradinha que apresentou “O castelo de Barba Azul”, de Béla Bartók, juntamente com “Eu, Vulcânica”, da compositora sueca Malin Bång, com direção cênica de Wouter Van Looy e direção musical de Roberto Minczuk não foi apenas equilibrado, mas impecável. Denise de Freitas e Alexandra Büchel como as duas “Judiths”, e Hermán Iturralde no papel de Barba Azul deixaram marcas perenes no espaço do Theatro Municipal.
Winterreise, de Schubert, com Mathias Goerne (concerto)
O mais importante acontecimento da música clássica brasileira em 2024 foi a inauguração do novo Teatro Cultura Artística não apenas pelo teatro em si, mas pela programação. Um dos pontos culminantes foi a apresentação lá da sequência completa de 24 canções do ciclo “Viagem de Inverno”, de Schubert, pelo barítono alemão Mathias Goerne e o jovem pianista finlandês Anton Mejias. Recitais assim atestam que emoção e técnica podem ser uma coisa só.