SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ano de 2024 na música trouxe surpresas, com novos álbuns que vão desde veteranos consagrados até estrelas em ascensão, capazes de capturar a atenção dos ouvintes.

A Folha de S.Paulo convidou sete profissionais especializados em música para listar os cinco melhores álbuns que ouviram este ano. O resultado é uma seleção diversificada, que transita pelo pop, brega e música clássica, destacando as melhores produções de 2024.

Confira a lista completa abaixo, em ordem alfabética:

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AMANDA CAVALCANTI

JORNALISTA ESPECIALIZADA EM MÚSICA

Brat

Charli XCX. Gravadora: Atlantic

É difícil encontrar algo para falar sobre esse álbum, talvez a obra mais comentada da cultura pop em 2024, que ainda não tenha sido dito. Mas não tem muito como escapar: além de ter sido um acontecimento para bem além da música, “brat” é um disco impecável. Depois de mais de uma década de carreira, senti que Charli finalmente chegou à obra que uniu perfeitamente seu pop que foge do óbvio, salpicado com dance music, com suas autorreflexões surpreendentemente vulneráveis.

Acelero

Crizin da Z.O.. Gravadora: QTV Records

Fim da linguagem, festa da carne, caos: o disco do trio Crizin da Z.O. narra o fim do mundo sobre o pano de fundo barulhento e cacofônico que ele merece. O grupo sempre partiu do funk carioca para pintar sonoridades mais experimentais, mas em “Acelero” eles expandem ainda mais a paleta sonora. Não é só funk, não é só metal, não é só noise, não é só gabber, não é só industrial. É tudo isso de uma vez só e multiplicado por dez.

Celda 4

L-Gante. Gravadora: Warner Music

O L-Gante é um expoente do rap argentino, que rendeu outros trabalhos muito comentados este ano – como a dupla Ca7riel & Paco Amoroso, que explodiu com um vídeo gravado para o NPR Tiny Desk, e o rapper Dillom, que também lançou um álbum interessante. Mas ninguém fez melhor que L-Gante, oriundo dos “barrios” periféricos de Buenos Aires, que ficou preso por meses no ano passado, atrasando o lançamento de “Celda 4”. Mas o disco não decepcionou: a atitude do artista e sua habilidade vocal é a de um gangsta rapper dos anos 1990, mas ele rima por cima de uma espécie de versão eletrônica da cumbia argentina, chamada “RKT”. O resultado é o disco de rap mais único que ouvi esse ano.

333

Matuê. Gravadora: 30PRAUM

A espera desde 2020 foi longa, mas valeu a pena. Matuê seguiu seu “Máquina do Tempo”, cujas letras são inteiramente acompanhadas a plenos pulmões pelos fãs nos shows do rapper, com “333”, experiência ainda mais psicodélica e imersiva que seu trabalho anterior. Tanto em hits como “Crack com Mussilon” e “Imagina Esse Cenário” quanto em momentos de novas experimentações para o cearense, como “O Som” e “Like This!”, Matuê se provou mais uma vez como o rapper brasileiro mais criativo de sua geração.

Guabiraba, Chicago

Pauleta Lindacelva. Gravadora: Perfecto Estado

Natural de Recife, Paulete Lindacelva resolveu unir a cena onde começou a se apresentar como DJ, no bairro de Guabiraba, às origens da house music, em Chicago. Mas eu diria que “Guabiraba, Chicago” é também um comentário sobre São Paulo, cidade cuja cena eletrônica foi muito influenciada pelo ritmo neste ano e onde Paulete caiu no gosto dos frequentadores de pistas. Primeiro trabalho gravado pela DJ, o disco é uma viagem urbana bem-humorada e espirituosa.

ANDRÉ BARCINSKI

JORNALISTA

Butu

KOKOKO!. Gravadora: Transgressive

A grande banda africana do Congo, que mistura eletrônica e percussão local, faz sua obra-prima depois da tragédia de perder integrantes para a Covid-19.

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Beak. Gravadora: Invada Records UK

Enquanto o Portishead não volta, o baterista e produtor Geoff Barrow continua seu brilhante trabalho com o trio Beak, que bebe na fonte do krautrock e da eletrônica.

Songs of a Lost World

The Cure. Gravadora: Polydor Records

Quem diria que Robert Smith, aos 65 anos e 45 de carreira, cometeria um de seus melhores discos?

Mahal

Glass Beams. Gravadora: Ninja Tune

Trio australiano que faz uma viajante música instrumental misturando sons do Oriente Médio e rock. Viciante.

Funeral for Justice

Mdou Moctar. Gravadora: Matador Records

Do Níger, o exímio guitarrista canhoto Moctar lidera sua banda furiosa num dos melhores discos de rock do ano.

FELIPE MAIA

JORNALISTA E ETNOMUSICÓLOGO

Espontaneamente se Tenta: Aventuras Sonoras de Djalma Corrêa

Djalma Corrêa. Gravadora: Lugar Alto

Quiçá um álbum que não foi pensado como tal não merecesse um lugar na lista, mas o resgate da obra de Djalma Corrêa é digno de nota. Um dos maiores percussionistas do Brasil e um dos primeiros compositores do país a se aventurar na eletroacústica na ponte popular-acadêmico, Corrêa é redescoberto neste disco de peças e gravações até então ocultas —estudos que seriam fundamentais para seu seminal disco “Baiafro”, de 1974.

Paraíso Sombrio

DJ Anderson do Paraíso. Gravadora: DC Music

Enquanto o funk de São Paulo ganha o mundo como club music experimental e o funk do Rio se embrenha nas experimentações rítmicas, Belo Horizonte desponta como terceira via. Tétrico, macabro, lúgubre, o funk da capital mineira tem em WS da Igrejinha, Gordão do PC e Anderson do Paraíso sua tríplice do mal. Este último acentua a atmosfera do horror em “Paraíso Tropical”, um álbum repleto de silêncios, ecos e sinistras vozes ao longe.

Sentir que No Sabes

Mabe Fratti. Gravadora: Unheard of Hope

A violoncelista e cantora guatemalteca Mabe Fratti é um caso raro de artista que cresce a cada disco. “Sentir que No Sabes” é seu quarto álbum em quatro anos e mostra a compositora e instrumentista como valente exploradora, na voz e nas cordas. As faixas vão de peças a canções, experimentalismo sonoro e rock de vanguarda —combinação que, ela diz, surge na efervescente cena da Cidade do México, onde é radicada.

Silence is Loud

Nia Archives. Gravadora: HIJINXX/Island

Dispensando o flerte tímido do pop atual, a DJ, produtora e cantora abraça a linguagem do breakbeat acelerado de ponta a ponta no seu álbum de estreia. A jovem criada em Manchester usa jungle e drum’n’bass com personalidade e faz eco à era mais popular da música eletrônica britânica, de Chemical Brothers, Prodigy e Fatboy Slim, do club à arena. A faixa “Forbidden Feelingz” é uma pérola cujo único defeito é ser tão curta.

Batidão Tropical Vol. 2

Pabllo Vittar. Gravadora: Sony Music

Em essência, um álbum de versões não é novo. Nem sempre o novo, porém, vem do inédito. Na suíte “Batidão Tropical”, Pabllo Vittar e o time da Brabo Music abordam a música popular norte-nortista —o arco do brega entre Recife e Belém— com a dose certa de diversão e criatividade. O sopro de refresco foi tanto que o disco recuperou sucessos sem soar oportunista, caso de “São Amores” e “Ai Ai Ai Mega Príncipe”, um tecnomelody hyperpop.

ISABELA YU

JORNALISTA

Topo da Minha Cabeça

Tássia Reis. Gravadora: XIU

Unindo samba e hip hop, o aguardado quarto trabalho da cantora traz dez faixas e inclui colaborações com Criolo e Theodoro Nagô. Sucessor de “Próspera”, de 2018, o álbum mergulha nas possibilidades da música preta, enquanto propõe um resgate dos ritmos que formaram a identidade artística da criadora.

Novela

Céu. Gravadora: Urban Jungle Records

Gravado ao vivo de forma analógica, o disco traz um aceno para o passado, ao mesmo tempo em que as letras retratam os dramas do cotidiano hiperconectado. Todas as composições são de Céu, com exceção de “Corpo e colo”, de Nando Reis e Kleber Lucas. Já “Reescreve” é uma parceria com Marcos Valle.

Amaríssima

Melly. Gravadora: SLAP

Com a percussão em primeiro plano, a compositora e produtora bebe da fonte de ritmos como samba reggae, ijexá e pagodão baiano, mas faz conexões com a música global ao incluir flertes com r’n’b e amapiano. Há ainda feats com Liniker, como “10 Minutos”, e Russo Passapusso, caso de “Rio Vermelho”.

Silence Is Loud

Nia Archives. Gravadora: HIJINXX/Island

A DJ e produtora musical britânica mirou nos anos 1990 para compor as 13 faixas deste álbum, que traz referências do drum’n’bass, jungle e britpop. A música dançante com espírito punk de Nia Archives estica os limites dos gêneros musicais, pois no seu caldeirão sonoro cabe um pouco de tudo, contanto que seja agitado.

Dime Precioso

Alex Anwandter. Gravadora: 5AM

“Dime Precioso” destaca o som do sintetizador da new wave com as guitarras do indie rock, tudo isso amarrado pelas batidas do house. O quinto disco solo do músico chileno, conhecido pela banda Teleradio Donoso, pode ser interpretado como uma ode à vida noturna, pois as músicas carregam a energia vibrante da pista de dança.

SIDNEY MOLINA

PROFESSOR E CRÍTICO DE MÚSICA

Pra Você, Ilza

Hermeto Pascoal. Gravadora: Rocinante

O álbum tem 13 temas que Hermeto buscou em um caderno de criações inéditas de 1999 e 2000. Ilza da Silva, mulher dele por 46 anos, morreu pouco tempo após a última música do caderno ter sido escrita. Choros e frevos tangenciam-se, com pitadas contidas de samba, muita memória de bandas e dobrados, maracatu e forró. Hermeto e banda seguem no auge.

The Guitars of Sergio and Eduardo Abreu

Sergio Abreu e Eduardo Abreu. Gravadora: Guitarcoop

Cultuado pelo meio violonístico ao longo de várias décadas, o LP gravado originalmente em 1969 pelo mítico duo de violões carioca nunca havia sido lançado em formato digital. A musicalidade assombrosa, a sonoridade perfeita, o repertório lapidado e o entrosamento transcendental não permitem suspeitar que os irmãos mal acabavam de completar 20 anos. Resgate indispensável, não apenas para o mundo do violão, mas também para quem busca um conceito maior de música de câmara.

Lorenzo Fernandez, Sinfonias nº1 e nº2

Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Gravadora: Naxos

O tardio resgate da obra sinfônica de um compositor chave da segunda geração nacionalista brasileira integra a coleção “Música do Brasil” e se insere com categoria nos (também tardios) resgates das sinfonias de Guarnieri e Villa-Lobos, pela Osesp, e das de Claudio Santoro, pela Filarmônica de Goiás. O álbum traz também a suíte “Reisado do Pastoreio”, onde o compositor carioca explora elementos de matriz africana.

Boca Cheia de Frutas

João Bosco. Gravadora: Som Livre

Musicalmente impecável; vocalmente em forma; novas músicas, novas letras: são dez composições inéditas de João Bosco, além de uma desconstruída versão de “O Cio da Terra”, de Chico e Milton. Há uma canção feita a partir de letra deixada por Aldir Blanc, seu parceiro histórico, mas chamam atenção especialmente as sete maduras parcerias com o filósofo Francisco Bosco, seu filho. Cosmogonias indígenas perpassam o álbum e mostram o Brasil que pulsa escondido no “oco buraco da história”.

Pianolatria

Cristian Budu. Gravadora: Selo Sesc

Álbum duplo grava a excelência de autoras e autores brasileiros pouco ou nada conhecidos —como Cacilda Borges Barbosa e Clarisse Leite— ao lado de nomes centrais como Mignone, Guarnieri e Villa-Lobos. Aos 36 anos, Budu é um dos nomes centrais do piano brasileiro, e destaque internacional desde a obtenção do Prêmio Clara Haskil, na Suíça, em 2013.

THALES DE MENEZES

JORNALISTA

The Future Is Our Way Out

Brigitte Calls Me Baby. Gravadora: ATO Records

Esse grupo de Chicago chama atenção porque seu vocalista, o esquálido Wes Leavins, canta feito um Elvis Presley, usando sua voz grave em letras existencialistas. O som da banda fica no meio do caminho entre The Smiths e The Strokes. O álbum é puxado por canções quase épicas, como “Impressively Average”. “I Wanna Die in the Suburbs” e “Eddie My Love”. Ah, o nome do grupo é inspirado em Brigitte Bardot, musa do cantor.

Liam Gallagher & John Squire

Liam Gallagher e John Squire. Gravadora: Warner Music

Lançado ainda no início do ano, bem antes do anúncio da volta do Oasis às turnês, o álbum de Liam Gallagher em parceria com o ex-guitarrista do Stones Roses foi saudado como um revival da melhor música produzida em Manchester na primeira metade dos anos 1990. Algumas faixas são puro Oasis, outras caíram numa mistura boa e um tanto inclassificável. O melhor disco de rock de tiozão da temporada, sem nenhuma dúvida.

No Obligation

The Linda Lindas. Gravadora: Epitaph Records

Elas são quatro meninas californianas que têm entre 14 e 18 anos, filhas de imigrantes, misturando ascendências chinesa e mexicana. O som é um punk rock misturado com pop bubblegum que gruda no ouvido. Tocam muito bem desde o início, e este ano lançaram seu segundo álbum, que tem dois hits irresistíveis, “All in My Head” e “Too Many Things”. Excursionaram nos Estados Unidos abrindo os shows da turnê do Green Day e roubaram a cena.

From Zero

Linkin Park. Gravadora: Warner Music

Sete anos após o suicídio de um dos vocalistas, Chester Bennington, a banda encontrou uma nova voz para dividir as canções com Mike Shinoda. E a encontrou numa banda de metal, Dead Sara. Emily Armstrong se encaixou perfeitamente como a berradora, deixando Shinoda para as partes de rap. O novo disco é poderoso, com “The Emptiness Machine” e “Two Faced” se transformando em hits mundiais em poucos dias.

Encantado

Silva. Gravadora: Som Livre

Em seu sétimo álbum em 12 anos de carreira, o cantor capixaba perdeu a vergonha de escrever canções românticas. O disco tem letras de amor derramadas, mas não está restrito a baladas sentimentais. Tem beats eletrônicos, faixas com influência jazzística e uma canção que tem participação de Marcos Valle, “Copo D’Água”, na qual Silva paga tributo a suas grandes influências na bossa nova, João Donato e o próprio Valle.