O ministério também destinará R$ 200 milhões como incentivo adicional para as clínicas de diálise de menor porte. Esses recursos serão usados na manutenção dos equipamentos dos serviços.
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RAQUEL LOPES

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Clínicas de diálise estão fechando suas portas ou deixando de atender pacientes SUS (Sistema Único de Saúde) alegando inviabilidade econômica. Como resultado, pacientes têm que percorrer distâncias ainda maiores para suas sessões semanais.


O presidente da ABCDT (Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante), Yussif Ali Mere Junior, afirma que existe uma grave crise enfrentada pelas clínicas particulares, que atendem cerca de 87% dos pacientes do SUS, cerca de 130 mil, submetidos a esse tipo de tratamento. Na hemodiálise, uma máquina filtra e limpa o sangue do paciente, fazendo parte do trabalho que o rim doente não pode fazer.
O Ministério da Saúde diz à reportagem ter reajustado o valor da hemodiálise convencional na tabela do SUS e que dará um incentivo extra a clínicas menores.


Representando 840 clínicas privadas, Mere Junior afirma que a situação se agravou durante a pandemia de Covid-19 por causa da defasagem da tabela do SUS e do aumento dos preços dos insumos. A combinação desses fatores, acrescenta ele, impactou negativamente a viabilidade econômica dos estabelecimentos.


Um levantamento realizado pela ABCDT indicou que, desde 2017, 42 clínicas de atendimento ambulatorial encerraram suas atividades em todo o país devido à insolvência financeira. Só neste ano foram seis clínicas.


Outras unidades deixaram de atender pacientes do SUS ou reduziram o número de vagas para esse público. No Rio de Janeiro, por exemplo, a associação identificou três clínicas que pararam de atender SUS nos últimos dois anos.


“Muitas clínicas estão endividadas, muitas outras já fecharam e existe um risco de pacientes ficarem desassistidos. Tem sido comum clínicas não aceitarem mais novos pacientes do SUS. Há aumento de vagas para convênios, mas cortam os pacientes SUS”, diz ele.


Verônica da Silva, enfermeira nefrologista e proprietária da clínica NefroCastro, encerrou suas atividades em 30 de junho deste ano. A unidade atendia 73 pacientes do SUS na cidade de Castro, no Paraná, e região.


Segundo ela, o valor recebido pela clínica por sessão era insuficiente para cobrir os custos da hemodiálise, incluindo a estrutura da clínica e os salários dos funcionários.


Ela diz que chegou a aumentar de 4 para 6 o número de pacientes atendidos por técnico para tentar contornar a situação. Mas sem sucesso.


“A demora no repasse dos pagamentos foi um fator decisivo para o fechamento da clínica. Atendíamos exclusivamente pacientes do SUS, o que tornava inviável continuar recebendo o pagamento com um atraso de dois meses, por exemplo.”


A aposentada Lelia Oliveira Almeida, 40, fazia hemodiálise na NefroCastro havia 12 anos e, com o fechamento do local, teve que buscar atendimento na cidade de Telêmaco Borba (PR).


Agora, ela sai de casa às 6h no carro disponibilizado pela prefeitura para transporte dos pacientes e retorna por volta das 19h30. Esse roteiro é repetido três vezes por semana.


Moradora de Jaguariaíva (PR), ela cumpria em cerca de uma hora um trajeto de 80 quilômetros para ir a Castro. Agora, são três horas para enfrentar 155 quilômetros até Telêmaco Borba.


“O fato de ter que sair de casa de manhã e retornar apenas à noite afetou negativamente minha qualidade de vida. Fico mais cansada e não tenho as mesmas pessoas para me atender, elas eram como parte da família, foi criado um laço de amizade forte e importante que ajuda no tratamento”, lamenta.
Maria de Lourdes da Silva Alves, presidente da Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil, afirma que o caso de Lelia não é um incidente isolado, mas sim uma realidade que tem sido observada em todo o país.


De acordo com Alves, falta interesse do setor para abrir clínicas voltadas ao atendimento de pacientes do SUS.


Em alguns estados, medidas estão sendo tomadas para amenizar essa situação, como é o caso de Santa Catarina, onde o governo estadual adotou o modelo de coparticipação para enfrentar o problema.
Alves destacou que em Rondônia, por exemplo, pacientes precisam viajar três horas para chegar à clínica, mais três horas para retornar para casa e, ainda assim, passam quatro horas fazendo o procedimento de hemodiálise.


“Se não houver políticas voltadas para atenção básica, vai piorar ainda mais o problema”, afirma ela.
Também não resistiram financeiramente as clínicas gerenciadas por Jaberson Severo nas cidades gaúchas de Alegrete e Rosário do Sul. As dívidas se acumularam, e os serviços acabaram repassados a hospitais.
“Em um período de dez anos, o preço do procedimento foi reajustado em 22%, o que nem sequer acompanhou a inflação (IPCA variou mais de 79% no mesmo período). A maioria dos insumos e as máquinas são importadas e na pandemia o problema se agravou”, diz ele.


Segundo Rodrigo Cariri, coordenador-geral de atenção especializada do Ministério da Saúde, a pasta fez um reajuste de 10,3% no valor da hemodiálise convencional na tabela do SUS em junho. Serão destinados R$ 400 milhões para bancar o reajuste, que foi calculado levando em consideração itens relacionados ao procedimento, bem como os custos com pessoal.


O ministério também destinará R$ 200 milhões como incentivo adicional para as clínicas de diálise de menor porte. Esses recursos serão usados na manutenção dos equipamentos dos serviços.


Será destinado anualmente um valor específico por máquina para as clínicas com até 29 máquinas. Para aquelas que têm de 1 a 19 máquinas, o valor será de R$ 53 mil por máquina ao ano. Já para as clínicas com 20 a 29 máquinas, o valor será de R$ 9.000 por máquina.


“Na parte do Ministério da Saúde, reconhecemos que há uma defasagem histórica face ao teto de gastos, emendas constitucionais e medidas de austeridades fiscais anteriores que estamos tentando mitigar com os esforços que cabem a essa gestão, mas não temos nenhuma notícia de crise instalada em nenhum estado. Seria de interesse até para efeitos de transparência que a gente pudesse saber as clínicas que fecharam e ter isso no radar”, diz ele.


Ele ressalta que o último reajuste tinha sido de 12,5% em 2021 após um intervalo de quatro sem reajuste e uma inflação alta.


Cariri acrescentou que a pasta vem trabalhando na atenção ao paciente renal crônico, e a hemodiálise é uma parte do tratamento. Entre as medidas, está a ampliação do atendimento de pessoas que ainda não estão no estágio de fazer o procedimento, o pré-dialítico.


“Estamos enfrentando também a herança do negacionismo, passamos quatro anos sem absolutamente nenhuma medida de cuidado que leva o paciente à situação da diálise, como hipertensão, diabetes”, afirma o coordenador-geral.


Mere Junior, presidente da ABCDT, diz que o reajuste proposto pelo Ministério da Saúde é uma resposta ao pedido do setor por uma atualização da tabela SUS e não será suficiente. O valor repassado pelo SUS por cada sessão de hemodiálise é 39% menor do que o custo efetivo do serviço, de acordo com ele.