BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – No vídeo em que prometeu autonomia ao futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, o presidente Lula (PT) recorreu a um cenário amplamente explorado pelo antecessor, Jair Bolsonaro (PL), em gravações e transmissões ao vivo pelas redes sociais: a biblioteca do Palácio da Alvorada.

Em um recado ao mercado financeiro, o Palácio do Planalto divulgou na sexta (20) um vídeo em que Lula afirma a Galípolo que ele será o “presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve”.

Governistas rechaçam qualquer comparação com as lives de Bolsonaro. Reservadamente, um integrante do governo afirma que a gravação aproveitou o fato de que Galípolo foi ao Alvorada, para o almoço com ministros do governo. E, na residência oficial, a biblioteca seria o melhor local para a gravação, pela estética e por ser silenciosa.

Além do presidente e de Galípolo, aparecem no vídeo três dos ministros mais importantes da Esplanada dos Ministérios: Fernando Haddad, da Fazenda, Rui Costa, da Casa Civil, e Simone Tebet, do Planejamento. Os três apenas ouvem os votos de boa sorte de Lula ao futuro presidente do BC.

A biblioteca do Palácio da Alvorada foi cenário da grande maioria das lives transmitidas por Bolsonaro uma vez por semana. O ex-presidente costumava aparecer ao lado de ministros, dos filhos e de outros aliados de primeira hora, como o então presidente da Caixa Pedro Guimarães.

As lives de Bolsonaro também foram citadas pela Polícia Federal no inquérito que apura a tentativa de golpe. De acordo com os investigadores, as transmissões ajudaram a propagar a ideia de que há fraude no sistema eleitoral para que a narrativa falsa não parecesse casuística após uma eventual derrota.

No caso do atual governo, a gravação —feita ao fim de uma semana em que o dólar atingiu a maior cotação nominal da história— se deu em resposta ao mercado financeiro. Além de prometer autonomia ao BC, Lula diz que o governo buscou proteger a nova regra fiscal e seguirá atento “às necessidades de novas medidas”.

“Eu queria dizer para o Galípolo que seguimos mais convictos que nunca que a estabilidade econômica e o combate à inflação são as coisas mais importantes para proteger o salário e o poder de compra das famílias brasileiras”, disse o presidente ao lado dos três ministros.

A gravação foi divulgada poucas horas depois da aprovação no Senado do terceiro projeto do pacote de gastos (considerado o pilar das medidas, pelo limite ao ganho no salário mínimo), e da promulgação da emenda constitucional que muda o critério de concessão do abono salarial.

O vídeo também é publicado em meio a um momento de reconhecimento de que a comunicação da gestão tem tido problemas e precisa de mudanças. “Há um erro do governo na questão da comunicação e sou obrigado a fazer as correções necessárias”, afirmou Lula em evento do PT no começo do mês.

Haddad também citou na sexta problemas de comunicação, dizendo que a escalada do dólar se deu após o vazamento de medidas que seriam anunciadas posteriormente pelo governo —em uma referência à notícia da ampliação da isenção no Imposto de Renda, que teria obrigado a Fazenda a ter que explicar a iniciativa depois de uma reação negativa já consolidada no mercado.

“Houve problema de comunicação no final do ano que fez com que o dólar no Brasil tivesse valorização mais forte do que entre os pares. Então é preciso corrigir a comunicação, tomar as medidas —porque não é só a comunicação, precisa tomar medidas— e fazer com que isso traga o câmbio não para um patamar específico mas para uma situação de funcionalidade”, disse o ministro.

O governo, inclusive, deve fazer uma troca na Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República). A saída do ministro atual, Paulo Pimenta, é dada como certa. O marqueteiro Sidônio Palmeira, cotado para substituir Pimenta, foi convidado por Lula para a confraternização de fim de ano.

O cientista político e advogado Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo avalia que a comparação entre a estética dos vídeos de Lula e Bolsonaro é inevitável, uma vez que o cenário foi exaustivamente usado por Bolsonaro durante quatro anos. Apesar disso, ele vê a gravação de Lula como pontual e avalia que há diferenças entre as duas mensagens.

“A comparação é inevitável, afinal de contas, a gente passou quatro anos vendo semanalmente o patrimônio público sendo utilizado em lives muitas vezes pessoais do ex-presidente. No entanto, é preciso que se considere a qualidade daquilo que foi dito. Foi passado um recado institucional”, afirma.

O Palácio do Planalto foi procurado neste sábado (21), mas não houve retorno até a publicação deste texto.