SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Carlos Alberto Cinquegrana, 81, atende o telefone no primeiro toque. Não é o celular. É um aparelho fixo. O pedido é anotado com papel e caneta. Ele pergunta o nome, o país e o diretor. São as informações suficientes para começar a busca.
Dezenas de caixas de DVDs, disc lasers e fotos de filmes estão próximos. Nada é atual, de 2024 ou 2023. Tudo é de um passado mais distante.
“Não sei como vai ficar isso depois que eu me for”, afirma.
Cinquegrana está atrás do balcão de madeira do Cinemantigo, loja que vende filmes antigos. Também funciona como tabacaria.
Químico aposentado, ele encontrou um propósito de vida e fonte de renda na paixão pelo cinema. Por meio de uma rede de colecionadores, como ele, vai atrás de encomendas. Usa a internet e faz consultas a cinematecas ao redor do mundo. São películas que não podem ser encontradas com facilidade em plataformas de streaming ou na Amazon. Pode ser um trabalho de arqueologia.
Chegar ao final de mais um ano é vitória. A chama continua acesa em atividade que ele tem sérias dúvidas se vai continuar por muito mais tempo.
“Hoje em dia, todo mundo quer as coisas na Netflix. Mas tem muito filme que não está lá ou em lugar nenhum”, constata.
A Cinemantigo não é uma locadora. Cinquegrana tem carinho demais pelo seu acervo para alugá-lo por alguns dias para pessoas que, teme, não vão devolver ou terão desleixo com a mídia, danificando-a. Ele mostra fitas de VHS que recupera e reclama do mofo acumulado. Os donos não tiveram nenhum cuidado com o material, afirma.
Ele vende cópias do seu acervo de 35 mil filmes. Trata-se de pirataria, na maioria das vezes. Mas como divulgar a arte do cinema com filmes que ninguém tem tempo, paciência ou contatos para encontrar?
“Eu estou há algumas semanas com a encomenda de um filme alemão chamado ‘Dois olhos azuis’. Conhece? É lindo. O personagem é cego e as imagens são em preto e branco. Mas conforme ele volta a enxergar, tudo fica colorido aos poucos. Já pedi até para cinemateca da Alemanha e não consegui”, diz.
Cada longa-metragem custa R$ 15. Se forem cinco, sai por R$ 60. Se preciso, ele vai atrás das legendas e as adiciona, sincronizadas à imagem. Considera uma diversão, a terapia que mantém sua mente funcionando.
“Ajuda a cabeça a funcionar. Vou fazer 82, mas me sinto bem. Se tiver uma injeção para viver mais 30 anos, serei o primeiro a tomar.”
Quem entra no pequeno espaço da rua Rego Freitas, no centro da capital, pensa ser apenas uma tabacaria, apesar do letreiro que remete ao cinema. Cinquegrana diz ser conhecido pelos filmes, mas os produtos para cigarro, cachimbo e charuto continuam lá.
“Tabacaria não é mais o que era. Todo mundo parou de fumar”, diz.
Quando abriu o comércio, em 1988, era papelaria administrada por sua mulher, Maria Angélica. Tudo foi mudando com o tempo.
Ele quase não fala sobre os artigos para fumo. São apenas acessórios. O que remete ao cinema, ele mostra, dá explicações e conta histórias. Como a coleção de VHS de filmes de James Bond, que afirma não emprestar, vender ou dar para ninguém. Aponta para os disc lasers e lamenta não terem sido tão populares quanto os DVDs porque “a qualidade de imagem e som é espetacular.”
Poucas pessoas entram na loja. O movimento maior é pelo telefone ou, para não dizer que ali se vive apenas no passado, pelo WhatsApp. É a ferramenta mais importante, aliás. O aposentado mostra as telas das conversas e a palavra mais constante é “consegue”. São clientes questionando se ele conseguiria itens tão diversos quanto documentários, filmes de arte iranianos ou clássicos da década de 1930.
“Esse aqui quer saber se eu consigo ‘Os nove irmãos’, filme de 1963 e legendado”, explica.
Não é raro ele não pedir qualquer explicação a mais além do título. Sabe já tê-lo na sua coleção. Sente prazer especial em vender cópias dos seus preferidos. Como o franco-italiano Cinema Paradiso, de 1988, sobre o cineasta que se lembra das histórias de criança na pequena sala de projeções de sua cidade natal.
“Se alguém pede os filmes atuais, eu consigo. É mais comum solicitarem os brasileiros porque levam mais tempo para serem disponibilizados. O pessoal não quer mais ir ao cinema. Está muito caro. É um programa que, em família, custa uns R$ 200.”
A Cinemantigo chega a vender 500 filmes por mês. Produz uma capa personalizada da sua loja. Tudo é feito por ele.
“Dos colecionadores que conheço, está sobrando muito poucos. Alguns morreram na pandemia, outros se foram depois. Gente que morreu há um ano e não sabe o que foi feito do acervo”, conta.
Por isso, ele não vê sua atividade como algo que vai durar por muito tempo.
“A garotada não tem nenhum interesse”, finaliza, falando sobre filmes antigos.
Esta é a razão para que cada ano atrás do balcão na loja do centro de São Paulo seja uma vitória.