SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os preços dos quadrinhos tiveram um aumento de 23% entre 2020 e 2023 no Brasil, aponta um levantamento da Nielsen BookScan, instituição que coleta dados do mercado editorial nacional, que reacende o debate sobre HQs como itens de luxo no país.

O setor de quadrinhos também teve uma queda de 14% no número de vendas em 2023 no Brasil, após dois crescimentos nos anos anteriores, segundo o mesmo levantamento. Em relação à média de preços, os quadrinhos atingiram R$ 41,27.

Os valores em alta acompanham uma aposta de editoras em edições omnibus ou de luxo, centradas no acabamento gráfico e em capas duras. Só a Panini, a maior editora do mercado brasileiro, tem 122 HQs e mangás à venda nesses formatos em sua loja virtual.

Questionadas pela Folha, editoras como a Conrad e a Mino atribuem a alta dos preços ao valor do dólar e à diminuição progressiva do público leitor. Afirmam que a diminuição das vendas reflete um ajuste do setor após dois anos de crescimento na pandemia.

Segundo Paulo Ramos, professor de letras da Universidade Federal de São Paulo e coordenador de um grupo de pesquisa sobre quadrinhos na instituição, HQs em formato de livro já estão consolidadas como itens de luxo no Brasil. “Basta comparar o preço de muitas das publicações com o valor do salário mínimo”, diz.

Janaína de Luna, editora-chefe da Mino, diz que os quadrinhos, bem como os livros, estão caros e são itens comprados por poucos, mas entende que isso é reflexo da alta de preços na economia como um todo. “Tradicionalmente, quem compra livro é a classe média, e considerando isso o preço dos quadrinhos não é muito diferente dos valores de uma sessão de teatro ou cinema”, afirma.

“Existem quadrinhos de R$ 200, mas são poucos. A maioria do catálogo da Mino está entre R$ 60 e 80, por exemplo. O quadrinho está caro porque, como toda a cultura, virou algo para poucos. Não é o acabamento de luxo que torna as HQs caras no Brasil”, diz.

Segundo Ramos, com o preço dos quadrinhos subindo, seu público deve diminuir cada vez mais. “A linha do encarecimento vem sendo esticada com relativa aceitação. Enquanto um dos lados dessa equação não der sinais de mudança, esse ciclo tende a se manter”, afirma.

Ramos, entretanto, diz que outros formatos de HQs, como aqueles criados e compartilhados por sites e redes sociais, podem ser uma opção para quem quer economizar.

Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, defende que democratizar o acesso aos livros e quadrinhos exige um apoio do governo. “Pela perspectiva de classes menos favorecidas, os livros continuam inacessíveis, mas a cadeia econômica para colocar um livro na prateleira é imensa e tem muitos custos. Para garantir o acesso, é necessário intervir”, diz.

Entre as medidas sugeridas pelo sindicato, estão o fortalecimento do Programa Nacional do Livro e Leitura, o reequipamento de bibliotecas públicas e a preservação do Programa Nacional do Livro Didático.

E as edições de luxo?

A série histórica da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, também da Nielsen, aponta que desde 2006 o setor editorial brasileiro teve uma diminuição de 43% em seu faturamento. Em um recorte mais recente, desde 2019, a queda é de 20%.

Assim, as editoras estariam investindo em formatos de luxo para manter o público que já existe. “A partir de muito planejamento, identificamos que o público queria quadrinhos mais ‘bem acabados’. Foi um tiro certeiro. De uns 20 anos para cá, as pessoas buscam livros com um bom papel e estrutura para colecionar e guardar”, diz Luna, da editora Mino.

Cassius Medauar, editor-chefe da Conrad, diz que as crises que o setor atravessou no começo da década de 2010 influenciaram a alta de preços e o formato. “Com a falência do Grupo Abril e da Dinap, distribuidora de grande parte das editoras de quadrinhos, houve uma diminuição de tiragens e, com isso, os preços aumentaram. É muito mais fácil para editoras, especialmente as menores, apostarem em um formato de luxo, com uma tiragem mais baixa, e conseguir um retorno financeiro”, diz.

Medauar também afirma que o setor atravessa um momento desafiador. “Papel, gráfica e contratos estão mais caros, e as tiragens, menores. A maioria das editoras não pensa ‘vou lançar quadrinhos de luxo porque quero lucrar, e não vou publicar mais nada barato’. Muitas vezes, em editoras pequenas, não é possível fazer diferente. Esse é o grande desafio hoje: como formar novos leitores quando os preços estão tão altos?”, ele questiona.