SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O engenheiro Carlos Rocha, 70, diz ainda estar tentando entender por que foi parar na lista de indiciados da Polícia Federal na investigação da trama golpista promovida por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Que raio que estou envolvido com generais? Não tenho nada a ver com isso. Não sou um militante, de repente fui surpreendido com essa situação”, diz em entrevista à reportagem.

Ele é fundador e presidente do Instituto Voto Legal, que em 2022 foi contratado pelo PL para avaliar as urnas eletrônicas, em meio à campanha de Bolsonaro para desacreditar o sistema de voto.

Segundo a PF, o trabalho de Rocha ajudou a embasar teses golpistas, que culminaram em um plano que incluiria o assassinato do presidente Lula (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Em sua defesa, Rocha diz que fez apenas um trabalho técnico e que não tem controle sobre o uso político que foi feito dele pelo PL.

Também afirma que jamais falou em fraude e que tem apenas o intuito de colaborar de forma construtiva com o Tribunal Superior Eleitoral para aperfeiçoar a urna.

*

PERGUNTA – O sr. diz que fez um trabalho técnico, mas a PF afirma que isso ajudou a estimular movimentos golpistas. Como responde?

CARLOS ROCHA – Foi um trabalho técnico, embasado em informações documentais. Para cada item que a gente apresenta existe um contexto, os critérios usados, as evidências documentais.

P – O PL, que contratou o sr., tinha uma agenda clara contra a urna. Não era possível imaginar que seu trabalho seria usado politicamente?

CR – Não tenho controle sobre o que as outras pessoas vão fazer. Eu fui fazer um trabalho profissional. Uma auditoria, uma fiscalização de um sistema, é um desafio crítico em qualquer organização. Quando cheguei lá para falar com o presidente [do PL] Valdemar Costa Neto, aconteceu um fato inusitado: [ele] passou 45 minutos me explicando que confiava na urna.

P – Por que ele contratou o sr.?

CR – Porque se tornou um tema polêmico.

P – Por causa do Bolsonaro?

CR – Não. Em todas as eleições acontecem questionamentos relativos à assertividade, à transparência.

P – Mas o sr. concorda que, se Bolsonaro não tivesse insistido nesse tema, não teria sido uma questão?

CR – Eu concordo que o presidente Bolsonaro poderia ter tratado desse tema de outra forma, com diplomacia. Esse é um tema essencialmente técnico. O que me dá muita tranquilidade é que toda vez que um grupo técnico fez uma análise, um diagnóstico e um conjunto de sugestões de melhoria, falaram coisas muito parecidas com o que a gente falou.

P – O sr. se arrepende de ter feito esse trabalho?

CR – Não. Eu exerço cidadania desde sempre. Por que nós criamos o Instituto [Voto Legal]? Porque os partidos políticos têm a prerrogativa de fazer fiscalização do jeito que quiserem. E podem constituir um sistema próprio para fiscalizar. Desde 1996 nós temos eleições com urna eletrônica. Por que os partidos não transformaram isso num processo natural?

P – Talvez porque não desconfiem da urna?

CR – Não se trata de confiança nas pessoas. Se isso valesse, o TCU não auditava. O TCU audita porque os funcionários são bandidos? Não, porque as pessoas erram. Isso que aconteceu, de a gente achar erros no log [registro da urna], quer dizer que teve fraude? Não. Quer dizer que tem indício para ser avaliado. Pode ser erro de programação. O TCU fala em baixa governança de desenvolvimento de software. Talvez essas coisas na vida tenham uma razão. Acabamos de passar por uma eleição que não sofreu questionamento. Será que de agora até as eleições de 2026 existem melhorias que podem ser feitas?

P – O sr. diz em sua defesa que seu trabalho foi usado politicamente pelo PL. O que acha disso?

CR – Não tenho controle sobre o que as outras pessoas fazem. O que fizemos foi um trabalho da melhor qualidade, inédito, pioneiro no Brasil, que precisa ser feito. O sistema eleitoral é bom. O time técnico do TSE é um bom time. Quer dizer que eles são infalíveis? Claro que não. Quer dizer que não é possível melhorar? Claro que não. Sempre é possível melhorar. Só que esse processo precisa sair dessa dicotomia política.

P – Segundo o relatório da PF, o técnico Eder Balbino, subcontratado pelo seu instituto para fazer o trabalho (e chamado por Valdemar de “gênio de Uberlândia”), contestou um ponto central, que seria a impossibilidade de identificar o log das urnas mais antigas. Isso mostraria que o sr. foi alertado de que não haveria problema e insistiu nisso com fins espúrios.

CR – Num jornal, eventualmente o editor ou o diretor têm uma visão diferente do jornalista que escreveu a matéria, certo? No trabalho de auditoria é igualzinho. Qual é a minha função? Coordenador. Com quantas pessoas eu conversei para soltar o relatório? 15? 18? A gente imagina que todas as pessoas concordam em tudo? Claro que não.

P – Houve uma discordância, então?

CR – Essa é uma dicotomia que foi colocada inicialmente pelos técnicos do TSE e a polícia captou e está insistindo. A gente absolutamente concorda, tanto com os técnicos do TSE quanto com o Eder, de que não há qualquer dificuldade em correlacionar cada arquivo de log com a urna que o gerou. Aí alguém me perguntou: então não tem problema? Claro que tem.

P – Eder fala claramente que não é uma falha, que isso não invalida.

CR – Cada um tem a opinião que acha que deve ter. O problema de vínculo não é do arquivo. É de cada linha, cada linha é um evento. Determinados grupos de urnas cometem um erro, porque está diferente do que deveria ser. Para cada linha deveria ter data e hora, que tipo de informação é aquele evento e qual é o número de identificação. O Eder não entende patavina de urna eletrônica. Entende muito de estatística, de gestão estratégica da informação. Quem é que entende de urna? Eu entendo de urna.

P – Ou seja, ele extrapolou a função?

CR – Não extrapolou nada, não. Vamos deixar claro, Eder é um baita profissional. Foi objeto de fishing expedition [“pesca de provas”].

P – Como o sr. avalia a reação que esse caso gerou junto ao TSE e ao STF?

CR – Existe uma imensa oportunidade de melhoria. Claramente os ministros que se tornam dirigentes do TSE têm uma oportunidade de serem mais bem informados por pessoas independentes dos seus funcionários.

P – O sr. vê algum clima para que isso aconteça hoje?

CR – Sou um otimista. Nós não estamos questionando eleição nenhuma. A posse aconteceu, outro governo assumiu. O que nós estamos pedindo na defesa? Olha, fizemos um trabalho técnico, que é profundamente embasado em documentação.

P – Dá para dizer que houve fraude na eleição?

CR – De jeito nenhum. Existem indícios de mau funcionamento e isso está muito bem documentado nos relatórios e na bibliografia. É só ir lá e ler.

P – O sr. escreveu um artigo para a Folha em 2021 em que defende mudanças no TSE. Poderia explicar melhor?

CR – A administração eleitoral é um tema técnico-administrativo. Das 22 maiores democracias do planeta, só 1 a vincula ao Judiciário, o Brasil. Em 19, ela é independente ou um órgão administrativo, com uma agência. No nosso entender, profissionais que têm notório saber jurídico e uma imensa qualificação para serem ministros do Supremo não têm a formação técnica necessária para a administração eleitoral. O TSE deveria ser uma agência eleitoral. Aí o ministro que vai julgar julga sem qualquer conflito de interesse.

P – Como o sr. se sente tendo o seu trabalho citado como peça de uma trama golpista?

CR – Fico triste. Eu disse para o delegado no dia do meu depoimento: a Polícia Federal é uma instituição absolutamente qualificada. Vocês têm aí um pessoal de perícia técnica competentíssimo. Eu gostaria de ter a oportunidade de conversar com eles sobre o nosso trabalho. Está claro que quem escreveu esse relatório não é da área. Eu sou um engenheiro. Que raio que eu estou envolvido com generais? Não tenho nada a ver com isso. Não sou um militante, de repente fui surpreendido com essa situação, mas estarei à disposição para esclarecer. Não temos absolutamente nada para esconder, é um trabalho técnico, embasado.

*

RAIO-X | CARLOS ROCHA, 70

Nascido no Rio de Janeiro, é graduado em engenharia eletrônica pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e presidente do Instituto Voto Legal. Trabalhou no desenvolvimento da urna eletrônica nos anos 1990 e também atuou em sistemas eleitorais em países como República Dominicana, Haiti, Nigéria, Angola e Costa do Marfim.