BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Senado aprovou nesta quinta-feira (19) em primeiro turno, por 53 votos a 21, o texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) que integra o pacote de contenção de gastos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A PEC foi aprovada horas antes pela Câmara dos Deputados por 344 votos a 154 no primeiro turno, uma margem larga em relação ao mínimo de 308 votos necessários para uma alteração constitucional. No segundo turno, a vantagem ficou ainda maior: 348 a 146.

Com a aprovação por senadores e deputados, o texto será promulgado pelo Congresso Nacional, uma vez que emendas constitucionais não estão sujeitas a sanção ou veto do presidente da República.

A aprovação se deu após momentos de preocupação de aliados governistas. Na manhã desta quinta, lideranças reconheciam que ainda não havia votos necessários para a aprovação na Câmara. Momentos antes do anúncio do resultado, líderes partidários ainda admitiam o receio de que não houvesse quórum.

Durante o processo de votação, foi possível ver o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), direto da Mesa Diretora disparando ligações -num indicativo de que houve uma operação para tentar garantir os votos necessários. Os comandos das bancadas também entraram em campo para mobilizar seus liderados. O governo acionou sua tropa de ministros para reforçar a articulação.

Desde quarta-feira (18) havia temor entre lideranças governistas e até mesmo do centrão de que o Executivo não teria o apoio necessário para garantir a aprovação da PEC do pacote. A votação precisou ser adiada diante do risco de derrota.

Diante desse cenário, Lira editou um ato da Mesa Diretora nesta quinta para permitir que deputados que estivessem fora de Brasília pudessem votar remotamente e avisou que quem não votasse teria desconto no salário (o chamado “efeito administrativo”).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também liberou a votação virtual -o que fez com que a aprovação ocorresse com o plenário esvaziado. O Palácio do Planalto também negociou a liberação de emendas extras a serem distribuídas, em 2025, a deputados e senadores que votassem a favor do pacote.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse à reportagem, logo após a votação, que o cenário desafiador foi convertido em um placar folgado com “foco na articulação política” e atuação do governo. “O que nós vimos hoje foi isso, uma amarração mais firme, mais objetiva com as lideranças”, disse.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito para suceder Lira no comando da Câmara a partir de 2025, disse que houve “um trabalho mais perto ali do governo e dos líderes” para que os deputados pudessem entender a importância de votar o pacote neste ano.

“A pauta econômica é uma prioridade, principalmente diante do quadro que vimos essa semana evoluir”, disse. A cotação do dólar escalou nos últimos dias e chegou a encostar nos R$ 6,30 durante a sessão de negócios desta quinta.

Apesar do avanço da proposta, a Câmara deu sinal verde e o Senado precisou manter um texto desidratado. O governo Lula sofreu um revés na tentativa de impor um comando mais forte para extinguir brechas que permitem supersalários na administração pública.

A PEC enviada pelo governo previa que uma lei complementar tratasse das verbas que podem ficar fora do teto remuneratório, hoje em R$ 44 mil mensais na esfera federal.

O relator do texto na Câmara, Moses Rodrigues (União Brasil-CE), enfraqueceu o dispositivo ao prever que a regulamentação seja feita por lei ordinária —que requer quórum menor e pode ser alvo fácil de flexibilizações. O instrumento também pode ser contornado por resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que têm status de lei ordinária.

No diagnóstico preliminar do Executivo, o texto mantém as brechas hoje usadas para turbinar salários com penduricalhos, especialmente no Judiciário.

Há ainda um artigo para criar uma disposição transitória. Enquanto a lei ordinária não for editada, as “parcelas de caráter indenizatório previstas na legislação” não serão computadas no teto remuneratório. Na avaliação de um integrante do governo, isso significa que, até a aprovação da lei, “fica tudo como está”.

Desde o envio da PEC, integrantes do Judiciário deflagraram uma ofensiva no Congresso para enfraquecer as medidas. Eles pressionavam por uma regra transitória e pelo afrouxamento do texto para lei ordinária, justamente o que foi incorporado ao texto.

A PEC aprovada também muda o critério de concessão do abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada). O texto prevê que, para os trabalhadores que receberão o benefício em 2025, será elegível quem recebia o equivalente a dois salários mínimos do ano-base (neste caso, 2023). O valor equivalente seria o de R$ 2.640.

A partir de 2026, esse valor será corrigido pela inflação, até travar em patamar equivalente a 1,5 salário mínimo. A expectativa do governo é que isso ocorra após uma transição de dez anos. O governo projeta uma economia tímida no ano que vem, de apenas R$ 0,1 bilhão, mas o impacto acumulado até 2030 chegaria a R$ 18,1 bilhões.

O texto também permite que parte da complementação da União ao Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica) possa ser usada em ações para criar e manter matrículas em tempo integral na educação básica. O alcance da medida, porém, foi reduzido.

O governo propôs uma fatia de 20%, o que renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões entre 2025 e 2026, e de R$ 42,3 bilhões até 2030. O parecer reduz esse percentual para 10% e cita apenas o ano de 2025. Um destaque apresentado pela federação PSOL-Rede tentou suprimir esse trecho na Câmara, mas foi derrotado.

Pelo texto, a partir de 2026, pelo menos 4% de todo o Fundeb seriam destinados por estados e municípios à criação de matrículas em tempo integral na educação básica. Antes da divulgação do texto, o relator disse na quarta que a mudança preservaria a expectativa de poupar R$ 10 bilhões entre 2025 e 2026, mas não esclareceu como isso se daria.