SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das polêmicas surgidas nos debates finais da regulamentação da reforma tributária foi a questão do saneamento.

Os parlamentares avaliaram que o setor já havia sido beneficiado pela desoneração de investimentos, possibilidade de reequilíbrio de contratos e ampliação do cashback (devolução do imposto) federal de 20% para 100%, mesma regra aplicada para contas de energia, gás, telefonia e internet. Receberão o cashback 94 milhões de brasileiros que estão no Cadastro Único (CadÚnico).

Também não quiseram assumir o ônus político do impacto do benefício pleiteado, redução de 60% no imposto para todos os brasileiros, sobre a alíquota geral.

Em debate realizado nesta terça-feira (18) pela CNN, os relatores do projeto na Câmara e no Senado disseram que cabe agora pressionar governadores e prefeitos a aumentar também o cashback do novo imposto administrado por eles (IBS) de 20% para 100%.

O setor argumenta que haverá aumento de 18% na tarifa de água e esgoto com a aplicação de uma alíquota de 27% somando CBS (contribuição federal sobre bens e serviços) e IBS (imposto de estados e municípios sobre bens e serviços).

Simulação feita pela Folha na ferramenta do Banco Mundial SimVAT mostra que o cashback de 100% para o saneamento reduziria a carga tributária dos 10% de menor renda na população em 0,5 ponto percentual, com impacto de 0,05 ponto na alíquota padrão.

A redução de 60% nos dois tributos, CBS federal e IBS, impacta a carga para essa parcela da população em apenas 0,1 ponto (mesmo efeito da isenção total), elevando a alíquota sobre os demais bens e serviços em 0,46 ponto para todos os brasileiros.

O mesmo raciocínio poderia ter sido aplicado às proteínas animais. Com alíquota cheia e cashback de 100%, haveria redução de carga para os 30% de menor renda (no caso dos 10% mais pobres, a queda é de 0,8 ponto na tributação), com redução de 1,45 ponto na alíquota geral.

Mas as entidades do setor de alimentos fizeram valer sua posição pela isenção para esses alimentos, debate que ficou conhecido como “desoneração da picanha”.

O projeto de regulamentação da reforma tributária traz 16 anexos que listam cerca de 480 bens e serviços com isenção ou alíquotas reduzidas. Há também os itens que terão percentuais mais elevados de cashback (como saneamento) e aqueles que foram incluídos no Imposto Seletivo.

Em muitos casos, não ficaram claros os critérios técnicos para elaboração dessas listas, e o poder dos lobbies setoriais e as questões ideológicas falaram mais alto.

No caso das armas, por exemplo, o projeto original da Câmara previa sua inclusão no Seletivo, com objetivo de compensar o fim do IPI (imposto sobre industrializados) e manter a carga tributária atual.

A proposta caiu na reta final da votação em 2023, quando parte da base do governo já estava desmobilizada.

Neste ano, o Ministério da Fazenda mandou a proposta de regulamentação sem prever essa taxação, sinal de que o governo não queria entrar na briga.

Alguns parlamentares tentaram evitar a desoneração dos armamentos, mas não houve votos suficientes. Os debates mostraram forte viés ideológico na escolha.