MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) devolveu, a órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, o estudo de impacto ambiental da usina hidrelétrica Bem Querer, em Roraima.

A devolução ocorreu no último dia 13 e se deu por “não conformidade” do estudo com parâmetros estabelecidos pelo Ibama, responsável pelo licenciamento do empreendimento, cuja análise está em fase inicial. O aviso sobre a devolução foi publicado no Diário Oficial da União nesta terça-feira (17). Na prática, o gesto paralisa a licença, até que reparos sejam feitos nos estudos apresentados.

A Folha de S.Paulo revelou, em 5 de novembro, que a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, avançou na execução do projeto da hidrelétrica e concluiu o estudo e o relatório de impacto ambiental, conhecidos pela sigla EIA/Rima. Os documentos foram protocolados no Ibama sem a análise dos impactos aos indígenas, como mostrou a reportagem.

A usina Bem Querer impacta a Terra Indígena Yanomami e mais nove territórios tradicionais, além de 38 assentamentos rurais, conforme os documentos apresentados ao Ibama para obtenção de licença prévia, a primeira etapa do licenciamento.

O avanço do governo Lula (PT) em relação ao empreendimento foi feito sem elaboração do chamado ECI (estudo de componente indígena), obrigatório em caso de grandes empreendimentos como uma usina hidrelétrica. O EIA/Rima foi protocolado no Ibama sem o ECI.

À reportagem, na ocasião, o Ibama afirmou que solicitaria o estudo de componente indígena para eventual aceite do estudo de impacto ambiental.

Um parecer técnico do órgão, concluído no dia 6, recomendou a devolução do estudo de impacto ambiental à EPE, responsável pelo projeto da usina. Por “não conformidade do estudo com o termo de referência emitido pelo Ibama”, a diretoria de licenciamento ambiental do órgão mandou devolver o EIA/Rima.

A reportagem questionou a EPE sobre a devolução feita pelo Ibama e aguarda as respostas.

Segundo o parecer técnico do órgão ambiental, o estudo atende parte das exigências feitas, mas apresenta pendências principalmente em três pontos: a questão indígena, certidões de uso do solo dos municípios afetados e base de dados cartográficos.

“Quanto à ausência de manifestação da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], ainda não foi possível apresentar o plano de trabalho para a realização do estudo de componente indígena. A razão para essa impossibilidade é o estado de emergência em saúde pública decorrente da desassistência à população yanomami”, cita o parecer.

A emergência está em curso desde janeiro de 2023. Também ocorrem ações de expulsão de invasores do território, onde cerca de 20 mil garimpeiros chegaram a atuar ilegalmente na exploração de ouro.

Em fevereiro de 2023, poucos dias após a declaração de emergência em saúde pública em razão da crise humanitária vivida pelos yanomamis, a Funai enviou ofício ao MME em que disse não ser possível a realização de reuniões sobre a elaboração do ECI junto às “comunidades indígenas potencialmente afetadas no território”.

“A Funai não recomenda que os estudos sejam realizados apenas com subsídios em dados secundários”, cita o ofício, enviado também ao Ibama.

A Funai reiterou esse posicionamento, conforme o parecer do Ibama, por não ter sido apresentado o ECI no curso do processo de licenciamento.

“O estudo de componente indígena é parte integrante do estudo de impacto ambiental da usina Bem Querer e não pode ser desconsiderado na avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento, especialmente no que se refere aos impactos sobre as comunidades indígenas”, afirmou o Ibama. “A ausência desse estudo compromete a análise completa do EIA/Rima.”

A EPE deve fazer adequações necessárias e apresentar esclarecimentos, conforme recomendação da área técnica do órgão ambiental.

A hidrelétrica Bem Querer está prevista para operar no rio Branco, a partir da formação de um reservatório de 640 km2, em áreas referentes a seis municípios de Roraima.

“O aproveitamento hidrelétrico do rio Branco, em especial do trecho das corredeiras do Bem Querer, é de grande importância para o estado de Roraima e para o Brasil, frente a crescente demanda de energia elétrica do mercado e a integração do estado ao SIN (Sistema Interligado Nacional)”, afirma o estudo apresentado pela EPE. A capacidade de produção é de 650 megawatts.

O reservatório ficaria a 24 km da terra yanomami, segundo o EIA apresentado ao Ibama. O traçado de uma eventual linha de transmissão fica a 20 km do território, sendo o mais próximo do traçado, conforme o documento.

O aumento da população nas cidades próximas a canteiros de obras é um efeito esperado, o que pode favorecer a degradação no entorno das terras indígenas, conforme o EIA, assim como o incremento de caça, pesca e extração de madeira ilegais.

Outra pressão prevista é o aumento de empresas de mineração e madeira na região, a partir de uma energia mais barata com o funcionamento da hidrelétrica Bem Querer. Isso levaria a um “incremento do assédio às florestas e jazidas localizadas nas terras indígenas situadas na área de influência indireta, bem como o aumento da poluição dos igarapés que servem às aldeias”.

A EPE afirmou que não tem autorização para dar início ao estudo de componente indígena, em razão das “dificuldades enfrentadas pela Funai e pelas comunidades indígenas”.