Cena do filme ‘A Noite do Dia 12’, de Dominik Moll – Divulgação

FERNANDA MENA

TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) – “Sabe por que Clara foi assassinada? Eu te digo. Clara morreu porque ela era uma mulher.” A frase, dita ao chefe dos investigadores de polícia pela melhor amiga da jovem de 21 anos morta numa vila nos arredores de Grenoble, no sudoeste da França, resume o feminicídio central no enredo de “A Noite do Dia 12”.

O filme de Dominik Moll foi o grande vencedor do César deste ano. O Oscar do cinema francês laureou a produção com nada menos do que seis troféus, entre eles, o de melhor filme, melhor direção e melhor adaptação.

O longa ainda levou os prêmios de melhor ator revelação para o protagonista Bastien Bouillon -que vive Yohan, chefe novato da unidade de polícia judiciária de Grenoble- e de melhor ator coadjuvante para Bouli Lanners no detetive mais antigo da equipe, Marceaux.

“A Noite do Dia 12” remonta o assassinato de Clara Royer -papel de Lula Cotton-Frapier-, queimada viva, e a frustrante investigação do crime.

Num 12 de outubro, à noite, Clara voltava sozinha para casa depois de uma festa com as amigas, quando um homem, da penumbra, jogou gasolina nela e acendeu a chama do isqueiro.

O roteiro parte de uma história do livro de não ficção “18.3: Une Année à la PJ”, de Pauline Guéra, que acompanhou uma unidade da polícia judiciária francesa ao longo de um ano.

“Eu não queria tratar de um feminicídio, mas, quando li essa história, que está nas últimas 50 páginas do livro, fiquei interessado de imediato pela obsessão do investigador com o caso e pelo fato de ele não conseguir solucioná-lo”, diz Moll à Folha.

“Ficou evidente que a questão do feminicídio tinha de ser importante no filme e que, portanto, um de seus temas centrais seria a violência de homens contra mulheres, a partir de um ambiente masculino como é o da polícia e o daqueles que cometem crimes violentos”, afirma o realizador.

Na França, em 2022, 149 mulheres foram vítimas de feminicídio, segundo associações feministas que fazem o levantamento na ausência de dados oficiai, já que não há uma tipificação legal desse tipo de crime no país.

O Brasil prevê na lei esse tipo de crime desde 2015. Em 2022, 1.400 mulheres morreram por conta deste tipo de violência de gênero, uma cifra 12 vezes maior que a da França. Apenas um terço dos casos brasileiros são solucionados.

A investigação inconclusa de “A Noite do Dia 12” subverte o enredo clássico para se aproximar da realidade. O mistério em torno da morte brutal de Clara cresce à medida que a equipe patina entre a carência de provas e a descoberta dos vários parceiros sexuais da jovem, todos suspeitos. O cenário nos Alpes franceses colabora para o clima claustrofóbico.

Essa angústia também se reflete no hábito de Yohan de se exercitar no velódromo da cidade, rodando de bicicleta em círculos em alta velocidade.

Quando Yohan pressiona a melhor amiga de Clara para que revele todos os ex-amantes da jovem, ela se revolta. Diz que a polícia parece tratar a vítima como se ela fosse culpada por se apaixonar facilmente.

A acusação impacta o policial. Dias depois, o chefe dos investigadores bate boca com um integrante de sua equipe que sugere responsabilizar a própria Clara pela morte graças à quantidade de parceiros que teve.

Para Moll, fazer o filme teve efeito parecido. “Fiz uma jornada semelhante à de Yohan, e foi como se o tema do feminicídio, aos poucos, se impusesse”, diz.

“Existe um tipo de ideia, quase um reflexo, de que a mulher não pode ser livre sexualmente e que, se ela for morta ou espancada, ela tem de ser responsabilizada por isso”, afirma.

Para Moll, o MeToo foi crucial para uma mudança de percepção. “Concordo com as feministas que dizem que o MeToo foi importante porque liberou as vozes das mulheres, mas que isso só teria efeito se fosse liberada também a escuta dos homens.”

Moll conta que o caso retratado no filme quase não teve visibilidade no noticiário francês, o que lhe rendeu alguma liberdade para tratá-lo como ficção. Mas o fato de haver uma vítima real fez com que ele sentisse uma enorme responsabilidade de levar sua história às telas.

Assim como a não resolução do caso fez de Clara um fantasma na vida do protagonista Yohan, o lastro real da história também assombrou o diretor.

Esse percurso fez o diretor refletir sobre a questão da violência masculina e da masculinidade tóxica, que emerge pontualmente no filme a partir das reações tanto de alguns policiais quanto de certos ex-amantes da vítima diante da notícia do crime.

Moll fez uma imersão de uma semana num grupo de investigadores de Grenoble. A partir dessa experiência, o diretor pode trazer para “A Noite do Dia 12” o paradoxo dos momentos de tensão em que os policiais são confrontados com os atos de violência cujos autores eles buscam desvendar, e outros de descontração, necessários para diminuir a pressão desse cotidiano.

“Não é estranho que homens sejam a maioria dos perpetradores de crimes violentos e, ao mesmo tempo, sejam eles também maioria entre os responsáveis por investigá-los”, questiona a Yohan uma jovem investigadora mulher que entra na sua equipe já na época de reabertura do caso. “Esse é um mundo de homens”, conclui.

A NOITE DO DIA 12

Quando A partir de quinta-feira (12) nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Théo Cholbi

Produção Bélgica, 2022

Direção Dominik Moll