SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em sua primeira entrevista após assumir a presidência da Sabesp, Carlos Piani faz questão de enfatizar que o foco da sua gestão são os investimentos que vão permitir a universalização dos serviços de água e esgoto no estado de São Paulo até 2029.
A antecipação da meta (antes definida para 2033) foi um dos principais argumentos da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) para defender a privatização da companhia, cujo governo é elogiado pelo executivo como “técnico”.
Há 68 dias no cargo, Piani diz que a tônica da nova Sabesp será fazer mais com menos e busca afastar receios de quem acha que a desestatização trará os mesmos problemas vistos em São Paulo com a Enel. Nos últimos meses, a empresa de energia virou alvo de críticas após deixar milhões de imóveis sem luz em mais de um episódio.
“Seria irresponsabilidade dizer que nunca teremos problema, mas acho que a chance de passarmos [por algo igual] é muito baixa, nós olhamos e nos preocupamos com isso”, afirma o CEO.
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PERGUNTA – Existe um certo trauma do paulistano com o serviço da Enel, e o próprio governador falou que a “a empresa fracassou e está fracassando”. Vocês estudaram esse caso para saber onde a Sabesp agora privatizada não pode errar?
CARLOS PIANI – Total. Aprender por reflexão é sempre melhor do que aprender com os próprios erros.
Sim, nós estamos olhando com atenção o desafio. Torcemos para que dê certo. Mas acho que algumas coisas são diferentes.
Primeiro, nós estamos vendo o que está acontecendo. Isso traz um conhecimento. Segundo, o governo [estadual] foi muito feliz no contrato que estabeleceu [com a Sabesp]. Tem inovações, obrigações, monitoramentos que não existiam antes. Em terceiro lugar, o estado está sentado do nosso lado. Ele está na mesa, tem 18% da companhia.
Esses três vetores aumentam a probabilidade de não termos algo igual. Seria irresponsabilidade dizer que nunca teremos problema, mas acho que a chance de passarmos [por algo igual] é muito baixa, nós olhamos e nos preocupamos com isso.
P – O que o sr. diria para quem tem medo de que a Sabesp seja a Enel da água?
CP – Que nós temos um compromisso com o futuro do paulista e que vamos entregar o que foi assinado e comprometido. Vamos entregar esse contrato. No início vai ter muita obra, vai ter um pouco de disrupção. Já pedimos desculpas de antemão, porque vai ter muita obra e isso pode gerar um transtorno no curto prazo. Mas estamos focados em atingir essa meta em cinco anos.
P – A Sabesp foi privatizada com o argumento de antecipar a universalização para 2029. Se esse prazo chegar e não for universalizado, existe punição?
CP – Sim, existe um indicador chamado fator U, que é o fator de universalização. No final [do contrato], serão medidos indicadores de áreas informais, rurais e formais na distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto. Dependendo do alcance desses indicadores, há punições que podem chegar a até 10% do faturamento, que hoje representam quase R$ 2 bilhões.
P – Uma multa para pagar ao governo?
CP – Pagar à Arsesp [Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo] e ela dá o destino. Isso [R$ 2 bilhões] no pior caso, existem gradações.
P – O Governo de São Paulo continua sendo um sócio relevante da Sabesp e agora a Equatorial tem a novidade de dividir a mesa de decisões com o governo. Qual diferença você prevê?
CP – Quando você é dono sozinho, você toma a decisão que quiser. Quando não, precisa ter a regra de governança estabelecida. A regra foi estabelecida previamente e achamos ela robusta, para lidar com este governo ou com qualquer outro.
A despeito disso, o governo atual é bastante técnico, bastante conhecedor. Fez o processo [de privatização], então domina bastante o assunto.
Em relação à Equatorial, tivemos essa mesma experiência há 20 anos. No início, a Eletrobras tinha um terço do capital. Foi assim que começou.
Quando você tem sócio, você tem que conversar, convencer. É algo com que estamos acostumados.
P – Mas como o sr. calcula o risco, por exemplo, de ter que sentar na mesa após uma eleição mudar o governo?
CP – As regras que foram postas são suficientes para lidar com esses cenários. Temos um contrato muito claro das nossas obrigações, que dá o norte do que a companhia tem que fazer. Tem obrigações, incentivos e punições para isso. Nos cabe executar. Quando mantemos esse foco, não há divergência entre entes públicos e privados.
P – Nesses primeiros 68 dias, o que a nova diretoria viu de possibilidades de otimização?
CP – O que gera mais valor para a nova Sabesp é o investimento. Há dois cenários, tornar a empresa mais eficiente e não investir, ou investir e não tornar a empresa eficiente. Esse segundo cenário é melhor que o outro.
Não estou dizendo que a eficiência não seja boa, mas o mais importante é fazer o investimento no tempo, porque a multa é de R$ 2 bilhões. Cortar custos e tomar multa não adianta.
Aqui não é uma corrida de cem metros, é uma maratona. Dito isso, nós vamos buscar eficiência, porque uma empresa estatal não permite operar em determinados modelos. Agora a Sabesp tem essa liberdade. Vamos operar melhor, comprar melhor, teremos chances de ter mais funcionários próprios do que terceirizados.
P – Por que comprar melhor?
CP – Por vários motivos. A estatal perde um grau de liberdade. Você não escolhe o seu fornecedor, tem que seguir ritos. Nesse prazo de universalizar até 2029, no melhor caso, a Sabesp demoraria seis meses para contratar uma obra. Nem no melhor cenário ia contratar R$ 15 bilhões em 60 dias. Não havia a menor chance.
Tem uma amostra grande de fornecedores que não vendem para o Estado, que não gostam de lidar com o ente público. Com R$ 60 bilhões [de investimentos], você tem que contratar todo mundo, do pequeno ao grande.
P – O sr. tem uma lista de aspectos onde a Sabesp pode ser mais eficiente?
CP – Sim, temos.
P – Em quê?
CP – Em tudo. Em despesas operacionais. Podemos ser mais eficientes por pessoa. Não quer dizer reduzir [empregados], podemos crescer com menos. O problema do Brasil é a produtividade.
O primeiro ativo da Equatorial teve um ganho de eficiência. Depois aumentamos a força de trabalho próprio em uns 50% e a força própria mais a terceirizada em três vezes.
A Sabesp tem 51 anos e os ativos da empresa são calculados em aproximadamente R$ 76 bilhões. Nós, em cinco anos, temos que investir R$ 70 bilhões. Então, nós vamos crescer em algumas áreas. Vamos contratar gente para caramba, vamos entender esse mundo regulatório. Tem áreas que vão crescer, tem áreas que vão diminuir.
P – Imóveis da Sabesp estão na lista do que precisa reduzir, por exemplo?
CP – Sim. Mas não há plano para fazer isso amanhã. A tônica aqui é: nós vamos fazer mais com menos. Quando e onde? No momento oportuno. Nossa principal meta é universalizar.
Tem gente que acha que nós não vamos fazer [a universalização]. Se não fizermos, vamos tomar R$ 2 bilhões de multa. Mas vamos fazer. Pode escrever.
P – A lei da privatização assegurou estabilidade aos funcionários. Hoje, a Sabesp tem cerca de 11 mil empregados. Existe um número ideal na sua avaliação?
CP – Sabemos que ela consegue ser mais produtiva com menos, mas um número exato não temos. O capex [investimento] é o principal, temos que acelerar. Isto é, ficar mais eficiente com responsabilidade, mantendo os talentos onde são necessários.
O jurídico, por exemplo, era uma área onde a Sabesp tinha muito investimento, porque era uma empresa pública, tinha uma preocupação grande com a tomada de decisão, as pessoas não queriam ter ônus na pessoa física. Esse risco não existe hoje. Então não precisamos investir tanto nessa área.
Já na área de compras, vamos ter um caminhão de dinheiro. Ou seja, temos que aumentar aqui, reduzir ali. É natural.
P – Na apresentação de resultados do último trimestre, o sr. falou que a Sabesp tem interesse em entrar em novos negócios dentro do estado de São Paulo. A ideia é chegar aos 645 municípios ou existe um núcleo mais interessante?
CP – Vamos olhar tudo o que vier. Temos clareza estratégica do que é prioridade. Mas faz parte, nessa jornada de longo prazo, crescer inorganicamente também. E para fazer isso você não escolhe o momento, é oportunidade.
São Paulo é uma obviedade. Em coisas maiores, o risco é maior e temos que avaliar. A Equatorial não estava pronta para comprar a Sabesp. Ela foi, fez um bom investimento e aqui estamos. A Sabesp também pode ter essa conjuntura.
P – Se a Equatorial não estava preparada, por que entrou na Sabesp?
CP – Por que a oportunidade era muito boa e compensou o risco.
P – Já existe um cronograma de leilões para o curto prazo. A Sabesp tem hoje uma área que estuda esses projetos?
CP – Tem.
P – Então podemos ver o nome da empresa aparecendo [nesses próximos leilões]…
CP – Sim. E acho que isso é normal. Eu já toquei áreas de investimento. Em geral, você olha muitas coisas para fazer poucas. É da natureza. Você não faz todo o investimento que analisa.
P – Nessa lista entram inclusive grandes projetos como privatização da Copasa e Sanepar?
CP – Acho que todas. A Copasa e a Sanepar valem R$ 9 bilhões. A Sabesp vale R$ 60 bi. O porte da Sabesp é tão grande que permite olhar outras coisas.
P – A Sabesp talvez seja uma das empresas que mais vai investir no Brasil nos próximos anos. O que do cenário macroeconômico pode mexer com essas previsões?
CP – O Brasil tem seus desafios, como o mundo todo. O mundo está endividado depois da Covid. Esse é um desafio grande que nós, como brasileiros, vamos ter que passar e fazer escolhas.
Mas a infraestrutura do Brasil tem uma demanda reprimida muito grande. O Brasil investe cerca de 16% a 18% [do PIB por ano] dependendo da época, e o ente público só participa com dois pontos percentuais. Então ele precisa da iniciativa privada.
Independentemente do ciclo econômico, vai ter demanda para investimento privado. Em geral, esses momentos mais exacerbados de incerteza são bons momentos para investir.
P – Estamos neste momento?
CP – Não sei te dizer. Temos que fazer um diagnóstico, mas assumindo que a economia é cíclica, esses momentos de vale são os melhores momentos para investir.
A infraestrutura sente menos e, dependendo, pode ser um momento bom para investir. O gringo pode ir embora, nós que somos brasileiros vamos ficar aqui. Então, vocês estão presos com a gente aqui [risos].
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RAIO-X | CARLOS PIANI, 51
Formado em administração de empresas pelo Ibmec-RJ e em processamento de dados pela PUC-Rio, tem mais de 20 anos de experiência em investimentos, fusões e aquisições. Atualmente é membro do conselho de administração da Hapvida e Modular Data Centers. Antes, presidiu o conselho da Equatorial e foi membro do conselho da Vibra Energia. Também foi presidente da divisão canadense da Kraft Heinz, presidente da PDG Realty e sócio da Vinci Partners. Foi CEO da Equatorial Energia e suas subsidiárias (2004-2010) e analista de fusões e aquisições e sócio da área de investimentos proprietários ilíquidos do Banco Pactual
RAIO-X DA SABESP
Fundação: 1973
Lucro líquido 2023: R$ 3,5 bilhões
Funcionários: 11 mil
Municípios atendidos: 375
Concorrentes: Aegea, Iguá, BRK