SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O advogado Lucas Alves, que representa a família do aposentado Genivaldo de Jesus Santos, 38, torturado e morto por policiais rodoviários federais em maio de 2022 na cidade de Umbaúba (SE), disse que é urgente a obrigatoriedade do uso das câmeras corporais por policiais.
O advogado que presta assistência jurídica à família de Genivaldo disse ao UOL que a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo. Ele pondera, contudo, que o uso de tecnologias tem ajudado na elucidação dos casos. “Cada vez mais a tecnologia está mostrando a realidade do nosso país”, disse ele ao se referir ao caso do homem arremessado por um PM de uma ponte em São Paulo.
O julgamento de Genivaldo teve 12 dias de duração e se encerrou com a condenação de três ex-agentes da PRF. Segundo o advogado, cada dia teve aproximadamente 12 horas de duração com o depoimento das testemunhas. “Foi um júri cansativo, a defesa [dos ex-agentes] fez tudo que poderia fazer, mas as provas eram muito contundentes, os vídeos eram nítidos, os laudos elaborados pelo IML, pela perícia feita pelo Instituto de Criminalística, as provas foram bem preparadas.”
Advogado de família de Genivaldo diz que o uso de câmeras corporais pela polícia é urgente. Segundo ele, os ex-agentes que abordaram Genivaldo tinham equipamentos nos uniformes, mas não foram utilizados. “É urgente a obrigatoriedade do uso de câmeras policiais. Seria uma autoproteção para os policiais e para a sociedade.”
“O caso Genivaldo vem como uma resposta para que a polícia venha a se preparar psicologicamente e mude sua abordagem”, diz advogado do caso. Segundo Alves, a polícia precisa contar com o aparato do Estado para que tenha uma melhor preparação para atuar. “Cada abordagem está prevista no seu manual, cada manual diz como o policial tem que se comportar. O despreparo dos policiais faz com que aconteça esse tipo de ação.”
Advogado da família de Genivaldo diz que é preciso lembrar que “ataques não ocorrem apenas de farda”. “Policiais acreditam ser superiores à própria sociedade”, diz. “É necessário atenção maior nas abordagens, principalmente na utilização de artefatos de menor potencial ofensivo, aplicando-os da forma que preconizam os manuais do fabricante”, diz.
EX-AGENTES CONDENADOS
Após 12 dias de julgamento, três ex-policiais rodoviários federais foram condenados na madrugada deste sábado (7) por torturar e matar Genivaldo. Ele foi asfixiado em uma viatura em 2022 em Umbaúba (SE). “Ninguém esperava por esse resultado. Acreditávamos que os três seriam condenados pelo dolo”.
“Jurados reconheceram os crime culposos para os dois primeiros policiais”, diz advogado. De acordo com Alves, Kléber Nascimento Freitas e William de Barros Noia foram condenados a 23 anos, um mês e nove dias de prisão por tortura seguida de morte. As penas foram agravadas por motivo fútil, asfixia e circunstâncias que impossibilitaram a defesa da vítima mas não houve condenação por dolo.
Paulo Rodolpho Lima Nascimento foi condenado por homicídio triplamente qualificado a 28 anos de prisão. A 7ª Vara Federal de Sergipe ouviu cerca de 30 testemunhas, incluindo parentes da vítima, peritos e especialistas. “No caso de Paulo Nascimento, os jurados acreditaram que houve dolo”, diz o advogado da família de Genivaldo.
“DOLOROSO E PESADO”
“Foi muito doloroso, foi pesado, sempre trataram meu tio como um criminoso”, diz o mecânico Wallison de Jesus Santos.
Familiares dizem acreditar que terão “momento de paz” após o término do julgamento. Wallison afirma o resultado do Tribunal do Júri não trará o tio de volta, mas representa uma nova fase na vida da família. “Vamos ter um momento de paz. [O resultado] não vai trazer a vida dele de volta. Queria ter saído de lá e dar e um abraço nele, queria que ele pudesse tocar a vida dele”.
“Vamos poder virar a página e tocar a nossa vida”, diz sobrinho de Genivaldo. Segundo ele, o caso do tio torturado e morto pela polícia poderia não ter tido o desfecho que teve, não fosse a ampla visibilidade que ganhou. “Esse júri veio acontecer porque teve muita mídia, achamos que não ia dar em nada”, afirma.
CANSAÇO FÍSICO E PSICOLÓGICO
Dias de julgamento geraram pressão ‘terrível’ sobre familiares. “Era um terror pensar se teríamos justiça”, diz ele. Wallison relata que todos os dias os familiares de Genivaldo se deslocavam para o local do julgamento para acender velas e prestar homenagens a ele.
O sobrinho de Genivaldo relata que os dias de julgamento geraram cansaço físico e psicológico em toda a família. “Doeu muito ter de ouvir os testemunhos contra ele. O cansaço físico foi devastador, assistir aos depoimentos a favor dos policiais era devastador. Eles queriam dizer que a morte do meu tio era uma fatalidade”.
Sobrinho de Genivaldo foi o primeiro a depor e se emocionou ao lembrar o dia em que presenciou a abordagem da polícia ao tio. “Relembrar tudo foi muito pesado para mim. Na hora que vi meu tio saindo daquela situação, tive uma sensação de impotência, ele me pediu ajuda e isso me emociona demais”.
RELEMBRE O CRIME
Genivaldo de Jesus Santos, 38, homem negro, foi morto após ser trancado dentro de um porta-malas em abordagem truculenta da PRF. Ele sofreu asfixia, segundo o IML (Instituto Médico Legal).
Quando questionado, teria tentado explicar que tomava remédios para distúrbios psiquiátricos. No dia 25 de maio de 2022, a vítima, presa dentro da viatura, foi submetida a gás lacrimogêneo, que formou uma densa fumaça branca dentro da viatura e o asfixiou.
Genivaldo morreu momentos depois. Ele ainda foi levado ao hospital, já desacordado, mas não resistiu. O IML apontou que a causa da morte foi “insuficiência aguda secundária a asfixia”. Em agosto de 2023, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, assinou a demissão dos três agentes da PRF envolvidos na morte de Genivaldo. Outros dois policiais foram suspensos.