NELSON DE SÁ
SEUL, COREIA DO SUL (FOLHAPRESS) – O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, perde aliados a cada dia, mas Jang Kyung-tae, 41, um dos líderes do opositor Partido Democrático, conta nos dedos os votos para aprovar o impeachment neste sábado (7). Eles precisam de oito deputados do governista Partido do Poder do Povo e, pelos cálculos dele, até aquele momento tinham sete.
Em entrevista à Folha no seu gabinete na Assembleia Nacional, em Seul, Jang afirma que, sem a aprovação, “a Coreia vai explodir”. Respondeu como seria um governo de seu partido, em caso de vitória numa eventual eleição daqui a dois meses. Começaria por uma diplomacia mais “equilibrada”.
Segundo Jang, sua sigla buscaria se reaproximar de China, Rússia e do Sudeste Asiático, citando a Indonésia. Também a América Latina, acrescenta, apontando a própria distância geográfica como vantagem, dados os conflitos, inclusive territoriais, que a Coreia do Sul tem com seus vizinhos.
Sobre os Estados Unidos, diz que “é o nosso maior aliado, de longe”, e se mostra esperançoso com os sinais mais recentes do governo americano de crítica à declaração de lei marcial feita pelo presidente Yoon na última terça, derrubada após resistência da Assembleia.
Como foi a noite do decreto da lei marcial?
Consegui chegar aqui na Assembleia às 23h30 (11h30 de Brasília). Às 22h40, tinha recebido uma ligação e não acreditei. “Não é possível, é fake news.” A minha primeira atitude foi tentar voltar. Estava próximo, por sorte, e quando cheguei ainda estavam começando a cercar. A única coisa em que pensava era que, se não conseguíssemos reunir os deputados em uma hora, perderíamos a janela de oportunidade para anular os efeitos da lei.
O sr. presenciou a tentativa de invasão?
Quando cheguei, eu vi que os helicópteros estavam descendo. Já dentro, não vi mais, mas depois, com as câmeras de segurança, vimos que os soldados chegaram à última barricada, próximos de invadir o plenário.
Houve negociação com o partido do governo?
Sim, quando soube da situação, liguei para um deputado, e a posição deles foi clara. “Vamos para a Assembleia.” A comunicação foi rápida, mas, se fosse outro dia, quinta ou sexta, dificilmente conseguiríamos, porque os deputados voltam para suas regiões. Sei que dentro do partido deles teve divisão, mas a resposta que tive foi de se reunir.
Para a votação deste sábado, como estão as negociações?
Há duas pautas. A primeira é o impeachment, e a segunda é uma lei de investigação especial sobre a primeira-dama. Precisamos de dois terços [200 de 300 votos], ou seja, de oito votos do lado deles [a oposição detém 192 cadeiras]. Hoje [sexta-feira] o líder do partido da situação disse que será a favor do impeachment. Com isso, temos sete confirmados.
Essa segunda pauta é para forçar a presença governista?
Exatamente.
A mobilização prevista aqui para o entorno é importante para a aprovação?
Nossa expectativa é que venha muita gente, porque as pessoas estão revoltadas. Na terça [dia do decreto da lei marcial], foi fundamental. Se não fossem os manifestantes, não teríamos conseguido controlar a situação. Eu mesmo recebi ajuda deles. Isolaram os militares e me ajudaram a pular a barreira. E vimos depois, por todos os vídeos, que os cidadãos estavam com as câmeras ligadas. Isso evitou os excessos dos militares.
O governo americano, que vinha hesitando, agora adotou um tom mais crítico. Isso vai pesar?
Sem dúvida. É o nosso principal aliado, de longe, e é claro que sua opinião tem muita influência aqui. Eu diria que sobretudo entre os deputados do partido do presidente. Não tenho dúvida de que essas críticas que estão começando a aparecer terão influência sobre a decisão deles de votar a favor ou não. Minha opinião é que os EUA se deram conta de que Yoon é um risco muito grande. Que é grave uma pessoa com essas características nessa posição.
Quando ficou claro para o sr. que ele não teria condições para o cargo?
Ele foi o procurador-geral no governo Moon Jae-in [2017-22] e eu já sentia que não tinha condições. O episódio marcante para mim foi quando prendeu a esposa do ministro da Justiça sem nem sequer fazer investigação. Simplesmente mandou prender. Ali eu senti, “ah, ele tem ambições políticas”, que foi o que acabou acontecendo. Na campanha para presidente, dava declarações sem cabimento, como dizer que era a favor de uma jornada de trabalho de 120 horas semanais. Então, já tenho essa visão dele há muito tempo, desde quando foi procurador-geral de um governo que eu apoiava.
Até que ponto a economia levou à crise atual? E o alinhamento ao Japão e aos EUA, se distanciando da China?
Foi a diplomacia do governo Yoon que colocou a Coreia do Sul nesta crise econômica. Sempre fomos muitos fortes em exportação, mas agora, em vez de trazer divisas, estamos mandando. Perdemos muito mercado no exterior. E não tenho dúvida de que congelar as relações com a China e com a Rússia afetou o nosso desempenho. É claro que o Japão é importante, mas o que conseguimos em troca dessa aproximação toda? Na Ucrânia, nós nos envolvemos num conflito distante, do qual não tínhamos nenhuma obrigação de participar tanto, de mandar armamento, e agora, com Donald Trump, como ficamos? EUA e Rússia talvez cheguem a um acordo. Fomos trouxas. Com a lei marcial, a vergonha fica completa.
Quais serão os próximos passos? Nossa preocupação hoje é de não conseguir o número de deputados no plenário. Se não tivermos, aí sim fico temeroso. Eu acho que a Coreia do Sul vai explodir. As pessoas ficarão revoltadas. Não gosto de imaginar.
Em caso de aprovação, será convocada eleição? Seu partido vencendo, o que mudaria?
O procedimento é que o impeachment vá para análise da Corte Constitucional. A corte aprovando, teríamos eleição em 60 dias. Se formos eleitos, a primeira coisa a recuperar são as relações internacionais. A Coreia do Sul sempre prezou pelo equilíbrio na diplomacia. Isso envolve ter relações com os países do Brics, como a China, a Rússia, e os membros da Asean [Associação das Nações do Sudeste Asiático], como a Indonésia, que é muito importante e da qual estamos afastados. Hoje praticamente só temos boas relações com o Japão [na região]. Precisamos recuperar esse equilíbrio para voltar a crescer.
O senhor citou o Brics. Como vê a relação com o Brasil e a América Latina? São importantes para a Coreia do Sul. É a região mais distante, geograficamente, mas isso também facilita a colaboração. Não temos disputas a serem resolvidas. Aqui na Ásia, temos conflitos territoriais até hoje. No Sudeste Asiático, são países que podem se tornar nossos concorrentes. O crescimento do Vietnã mostra isso. Com a América Latina, podemos ter uma relação mais “win-win” [em que os dois ganham].