SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A defesa de Dominique Pelicot, que por quase uma década abusou sexualmente da então esposa enquanto ela estava sob efeito de sedação que ele mesmo administrava, disse nesta quarta-feira (27) que o homem sofre de dupla personalidade, transtorno esse que teria sido causado por traumas na infância.

Em novo dia de julgamento do caso que atrai atenção mundial devido à perversidade, a advogada Béatrice Zavarro disse num tribunal de Avignon que existem “dois Dominiques”, um homem dedicado à família e outro com uma “certa perversidade”.

Dominique Pelicot, 71, admitiu ter dopado a então esposa, Gisèle, de 2011 e 2020 para que ele e outras dezenas de homens pudessem estuprá-la. O caso ganhou projeção e vem estimulando debates sobre a violência contra a mulher. Nos últimos meses, milhares de pessoas foram às ruas em várias cidades francesas para demonstrar apoio à vítima, que descartou sigilo no processo.

A advogada Zavarro tentou explicar as razões pelas quais seu cliente se tornou o “regente da orquestra”, nas palavras dela, dos abusos contra Gisèle. Ela manifestou “profundo respeito” à vítima e, em seguida, mencionou a “parte humana do outro Dominique”, que seria um “bom pai e avô”.

Disse também que Dominique sofreu uma série de traumas na infância antes de “cair na perversidade”. Ele teria sido criado em um ambiente familiar nocivo e crescido na presença de um pai “autoritário e tirânico”.

A advogada citou duas agressões sexuais que Dominique diz ter sofrido: quando um enfermeiro o violentou durante uma internação hospitalar, ainda na infância, e quando ele foi forçado a participar do estupro de uma jovem, anos depois.

“Não se nasce pervertido, torna-se”, afirmou ela, repetindo a frase usada por seu cliente durante seu primeiro interrogatório no tribunal. “Essa frase é dita pelo outro Dominique, pelo qual advogo hoje. Esse outro Dominique é dotado de certa perversidade, mas antes disso há um homem.”

O Ministério Público da França pediu à Justiça na segunda-feira (25) a pena máxima de 20 anos de prisão para Dominique. Nesta quarta, a Promotoria solicitou penas de 4 a 20 anos para os demais acusados.

Além de Dominique Pelicot, outros 50 homens, com idades de 26 anos a 74 anos, são réus. Todos são acusados de estupro de vulnerável. No caso de Pelicot, também pesa a denúncia de violação de privacidade, uma vez que ele filmava os abusos.

A Promotoria pediu 10 anos de prisão para 11 acusados; 11 anos para 2; 12 anos para 13; 13 anos para 6; 4 anos para outros 6; 15 anos para 3; 16 anos para 4; 17 anos para 3, e 18 anos para o último, que teria ido seis vezes à casa dos Pelicot para estuprar Gisèle.

As petições de pena do Ministério Público são mais severas do que a média de condenações por estupro na França, que foi de 11,1 anos em 2022, segundo o Ministério da Justiça.

O caso veio à tona depois da captura de Pelicot em 2020. Ele foi flagrado em um shopping filmando as partes íntimas de uma mulher, por baixo de sua saia. Nos dias que se seguiram à prisão, os investigadores encontraram em seus computadores cerca de 4.000 fotos e vídeos de sua esposa inconsciente e sendo estuprada por dezenas de homens.

O julgamento deu visibilidade ao uso de drogas para cometer agressões sexuais, uma prática conhecida como submissão química, e vem motivando debates em toda a França sobre o tema.

Desde o início do processo, ativistas e associações que atuam pelos direitos das mulheres reiteram pedidos a todos os homens que “assumam, por fim, sua responsabilidade” na luta contra a violência de gênero e “parem de ficar em silêncio”.