SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após idas e vindas, o STF (Supremo Tribunal Federal) deve começar a julgar nesta semana duas ações que devem impactar o modo como as redes sociais fazem moderação de conteúdo, tendo como pano de fundo tanto a inação do Congresso em legislar sobre o tema quanto os ataques golpistas do 8 de janeiro.

A partir de discursos dos próprios ministros, a expectativa é que a corte usará o julgamento para estabelecer balizas sobre como as redes devem atuar, além de decidir se a regra atual -que isenta plataformas de responsabilidade por conteúdos de terceiros– é ou não constitucional.

Como tema central do julgamento, estará o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Aprovado em 2014, ele diz que as redes só estão sujeitas a pagar indenização por um conteúdo postado por terceiro se, após uma decisão judicial ordenando a retirada, mantiverem o conteúdo no ar. O intuito da regra seria o de proteger a liberdade de expressão.

A regra em vigor não impede que as plataformas apliquem suas próprias regras para removerem conteúdos. Críticos, por outro lado, dizem que ela incentiva a inércia das redes, ao não dar qualquer estímulo para que atuem.

Se a falta de ação do Congresso para aprovar novas regras já era criticada ao longo do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), frente à desinformação sobre a pandemia e os ataques contra as instituições, o 8 de janeiro -que foi fortemente mobilizado pelas redes- deu fôlego ao discurso dos ministros por regularem o tema.

Como a ação do Supremo tem repercussão geral, o resultado dela será aplicado a todos os outros casos semelhantes no Brasil. Além disso, deverá impactar como as plataformas fazem moderação de conteúdo.

Enquanto uma decisão afirmando que o artigo 19 é constitucional manteria o cenário como está, a declaração de sua inconstitucionalidade o derrubaria, levando o Brasil ao cenário pré-2014, quando não havia regra específica sobre como o Judiciário deveria tratar este tipo de situação.

O mais provável, contudo, é que o Supremo adote uma linha intermediária, fazendo o que, no jargão jurídico, é conhecido como “interpretação conforme a Constituição”.

Nesse cenário, vários pontos podem ser alvo de discordância entre os ministros, e aumenta a chance de questionamentos ao STF em relação a eventual avanço sobre as atribuições do Legislativo.

Há uma corrente que defende que não caberia à corte fazer este tipo de análise nesta ação. Argumenta-se, por exemplo, que o entendimento de que a regra atual seria ruim ou insuficiente não faria dela inconstitucional ou dúbia.

Um dos possíveis cenários é que a corte estabeleça novas exceções à regra geral do artigo 19. Atualmente, os únicos casos em que não é preciso decisão judicial para responsabilização das plataformas são as hipóteses de violação a direitos autorais e ou de divulgação de imagem de nudez não consentida -no caso deste último, basta a não remoção após uma notificação da pessoa prejudicada ou de seu representante.

Nesse sentido, aventa-se que o Supremo pode estabelecer novos temas que saiam da regra geral, como crimes contra o Estado democrático de Direito, racismo, discurso de ódio e de proteção às crianças. Neste caso, os ministros podem definir um caminho que preveja a remoção por iniciativa das plataformas, ou então após notificação.

Também são cogitadas regras distintas para conteúdo impulsionado nas redes a partir de pagamento pelos usuários.

Um dos desafios é que o Marco Civil não se aplica apenas às redes sociais, mas a todos os provedores de aplicação, que incluem desde páginas como Wikipedia a sites de compras, como Mercado Livre. Por isso, há quem defenda também que o Supremo delimite quais atores serão alvo de eventual nova regra.

Uma outra possibilidade, também controversa, seria o STF estabelecer obrigações mais gerais, como a apresentação de relatórios.

Do mesmo modo que há críticos de que o Supremo siga esta linha, sob entendimento de que isso deveria ser discutido no Legislativo, há argumentos de que a inércia do Congresso, a preponderância das redes nos últimos anos e gravidade da crise política vivenciada no Brasil justificariam a atuação do tribunal.

Por mais de uma vez, nos últimos anos, a corte afirmou que julgaria o tema e chegou a pautá-lo. Em 2023, indicou que esperaria o Congresso votar novas regras, o que nunca aconteceu.

Em tramitação desde 2020, o PL das Fake News foi aprovado no Senado, mas empacou na Câmara dos Deputados diante da resistência das plataformas e da direita -que buscou colar nesse debate a pecha de censura.

Nas versões iniciais, ele focava na garantia de um “devido processo” de moderação, para que o usuário fosse informado de eventuais punições e pudesse recorrer, além de relatórios de transparência.

Já na versão formulada sob o governo Lula (PT), em 2023, o projeto trazia conceitos como o do “dever de cuidado” para as redes, que deveriam atuar contra determinados ilícitos considerados prioritários.

O maior revés ao projeto ocorreu em 2024, após embate entre Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o ministro do STF Alexandre de Moraes, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), levou a discussão sobre o projeto praticamente à estaca zero.

Das ações pautadas no STF sobre redes sociais, duas tratam sobre responsabilidade das plataformas. A principal diferença entre elas é que uma é anterior e a outra posterior à aprovação do Marco Civil da Internet. Há ainda outras duas sobre a possibilidade de bloqueio por via judicial de aplicativos de mensagens.