JOÃO GABRIEL DE LIMA

LISBOA, PORTUGAL(FOLHAPRESS) – Em 1970, ano em que recebeu o Prêmio Nobel de Economia, o americano Paul Samuelson prefaciou o livro “40 horas, 4 dias”. A obra, editada por um pesquisador do MIT (Massachussets Institute of Technology), descrevia um estudo feito com 30 empresas que haviam implantado um horário com quatro dias de trabalho e três de descanso.

O economista agraciado com o Nobel saudou o fato como uma “invenção social de caráter transcendental”, ao constatar ganhos de produtividade somados a um alto índice de satisfação dos funcionários.

Meio século mais tarde, o experimento do MIT foi repetido em 41 empresas a pedido do governo português. A coordenação coube a dois economistas que são professores em universidades no Reino Unido, Pedro Gomes e Rita Fontinha. O relatório sobre o estudo —extremamente útil para informar o debate que se estabeleceu no Brasil a partir de um projeto da deputada Erika Hilton— conclui, entre outras coisas, que para transformar o experimento em legislação trabalhista seria necessário um cronograma de aproximadamente dez anos.

“Os regimes de trabalho são escolhas da sociedade e não são imutáveis”, diz Pedro Gomes, professor da Universidade de Londres e autor de um livro sobre o tema, “Sexta é o novo Sábado”. “O problema é que as empresas, principalmente as grandes, têm dificuldade em experimentar e mudar suas culturas. Foi necessária uma pandemia para que o trabalho remoto se disseminasse, embora a tecnologia necessária para isso já existisse há algum tempo.”

O estudo português foi feito com empresas que se voluntariaram, quase todas de pequeno ou médio porte. Não incluiu, assim, uma amostra abrangente de setores da economia. Em sua maioria, as empresas participantes foram de áreas que já usam alguma ou muita tecnologia, como consultoria, programação, design, marketing e terceiro setor. O relatório admite que, por causa disso, é impossível fazer generalizações.

Conforme apontou o deputado português Rui Tavares em sua coluna na Folha, a avaliação foi amplamente positiva entre os trabalhadores. Tavares, do partido político Livre, de centro-esquerda, foi quem levou a ideia do estudo ao parlamento português. Ele escreveu em sua coluna que os níveis de tensão, ansiedade, fadiga e insônia dos trabalhadores caíram significativamente.

Entre os empresários que participaram do estudo a aprovação também foi majoritária. Das 33 empresas que preencheram os questionários ao final da experiência, cerca de 80% avaliaram que a redução de dias de trabalho havia sido positiva, e 20% ficaram indiferentes. Não houve nenhuma avaliação negativa.

A semana de quatro dias foi especialmente bem recebida entre as mulheres e os trabalhadores com baixa qualificação. “São aqueles que não teriam a possibilidade de escolher o trabalho remoto e organizar melhor o próprio tempo. Para eles, um dia a mais na semana faria toda a diferença”, diz Gomes.

Para o economista, não se deve confundir os estudos sobre a semana de quatro dias com os programas de redução de horas de trabalho que ocorreram em países como a França. “Lá, os trabalhadores em geral optam por seguir com a jornada padrão e ganhar mais tempo de férias”, afirma Gomes. Já a semana de quatro dias exigiria uma reestruturação das empresas e do mercado como um todo. “É nessa reestruturação que estão os ganhos de produtividade”.

Gomes cita o exemplo de uma creche incluída no estudo português. Como se trata de um trabalho eminentemente presencial, novos funcionários precisaram ser contratados. “O custo da folha, no entanto, aumentou apenas 4,5%, muito menos do que seria esperado”, diz Gomes. “Isso aconteceu por que alguns trabalhadores passaram a exercer diversas funções, num ganho de eficiência.”

Para que a semana de quatro dias se dissemine, segundo Gomes, seria importante que algumas empresas relevantes adotassem a medida. “Henry Ford, em 1926, foi um dos primeiros a adotar a semana de cinco dias em sua linha de montagem de carros”, afirma Gomes. “Outros empresários o seguiram quando viram que a Ford havia aumentado a produtividade, além da satisfação dos funcionários.”

A Assembleia da República portuguesa ainda não decidiu se os pilotos junto a empresas terão ou não seguimento, como reivindicam os partidos Livre, de Rui Tavares, e Bloco de Esquerda. Caso decidam pela continuidade do experimento, o estudo coordenado por Gomes e Fontinha propõe um cronograma em três fases.

A primeira aumentaria a abrangência de setores da economia. “Teríamos que ver como a semana de quatro dias funciona em empresas grandes, principalmente as que têm maior necessidade de trabalho presencial, como hospitais”, diz Gomes. “Seria também importante ter um piloto envolvendo o setor público.”

Os dados obtidos nessa fase de prospecção ajudariam o governo a formular uma política de incentivos para as empresas que adotassem num primeiro momento a semana de quatro dias —a segunda fase. Na terceira, os deputados discutiriam e elaborariam a moldura legal. Seria necessária uma grande concertação entre governo, sindicatos e empresas. O processo, segundo estimativa dos autores do estudo, levaria algo como dez anos.

O estudo português foi feito com a assessoria metodológica da “4 Day Week Global”, uma associação sem fins lucrativos fundada por dois empresários neozelandeses, Charlotte Lockhart e Andrew Barnes. Eles ajudaram a desenhar vários projetos-piloto do gênero junto a empresas, em países como Inglaterra e Alemanha. Esses projetos foram criados por inciativa do setor privado, sem a supervisão governamental que ocorreu no caso português.

Caso o projeto de Erika Hilton seja aprovado, o Brasil —onde a “4 Day Week Global” já realizou alguns pilotos— será um dos primeiros países de grande porte a implantar a semana de quatro dias. No âmbito europeu, apenas na Islândia a semana de quatro dias vigora em larga escala. No país de 400 mil habitantes, 90% dos trabalhadores já seguem o regime, depois de um processo de adaptação que durou nove anos.