PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Os quatro oficiais de Forças de Operações Especiais do Exército presos preventivamente na terça-feira (19) pela Polícia Federal sob suspeita de participar de planejamento e execução de golpe de Estado têm em comum passagens pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) de 2017 a 2024.
Ali três deles -os tenentes-coronéis Helio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo- produziram e defenderam trabalhos sobre o papel das Forças de Operações Especiais em situações que não se enquadram no modelo de guerra regular.
Entre os temas tratados nas pesquisas estão combate ao terrorismo, ao crime organizado e ao narcotráfico, assistência a forças policiais e dissuasão do inimigo. O general de brigada Mario Fernandes, o quarto e mais antigo do grupo, frequentou a Eceme nos anos 1990, e os trabalhos produzidos à época não estão digitalizados.
Ferreira Lima, Oliveira e Azevedo são “kids pretos”, designação popular das tropas de Forças de Operações Especiais do Exército em razão dos gorros pretos usados por seus integrantes.
A especialidade está no centro da investigação da PF sobre organização criminosa que atuou durante o governo Jair Bolsonaro.
Criada em 1905 como Escola de Estado Maior, com sede no bairro da Urca, zona sul do Rio de Janeiro, a Eceme é a mais alta e prestigiada escola do Exército. Destina-se a formar oficiais superiores para funções de estado-maior, comando e outras privativas de alto escalão.
Na década passada, teve reconhecidos mestrado acadêmico e doutorado, abertos a civis, pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que supervisiona o ensino de pós-graduação no país.
Dos três presos da Operação Contragolpe, o único a cursar doutorado na Eceme foi Azevedo. Seu trabalho, com 149 páginas, intitulado “As operações especiais e a dissuasão: reflexões na perspectiva da Defesa” e defendido este ano, é o mais ambicioso e sofisticado do grupo.
O objetivo da tese é estudar o emprego das Operações Especiais como ferramenta de dissuasão alternativa aos recursos tradicionais para esse fim, como armas nucleares ou grandes forças.
“Atualmente, a prevalência de atores não-estatais hostis e o crescimento do emprego de táticas de zona cinza e guerra híbrida pelos Estados são exemplos de como adversários contornam as antigas ferramentas de dissuasão”, diz trecho do estudo de Azevedo.
Por meio de entrevistas e questionários, Azevedo chega à conclusão de que “contar com Operações Especiais capacitadas e ter disposição de empregá-las incrementa a dissuasão”.
Embora ressalte que o valor das Operações Especiais seja incrementado pelo uso de tecnologia e pela ação conjunta com forças convencionais, o tenente-coronel admite que seu emprego é mais relevante “nas fases anteriores ao conflito (…) particularmente realizando reconhecimentos especiais de alvos de alto valor”.
E adverte: “Entretanto, o emprego das Op Esp, antes do conflito, carece de um arcabouço jurídico que o ampare”.
O trabalho de Ferreira Lima, de especialização em ciências militares, chama-se “Os atuais impactos do emprego recorrente do Exército Brasileiro em operações de não guerra: uma abordagem sob o ponto de vista das Operações Especiais”. Foi defendido em 2018, em plena operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro.
“No momento em que escrevo estas palavras, o Rio de Janeiro se encontra sob Intervenção Federal na Segurança Pública do estado”, assinala na dedicatória a “todos os homens e mulheres do Exército Brasileiro”.
Na conclusão, o tenente-coronel recomenda “reorganizar o ano de instrução das unidades operacionais” das forças especiais.
O estudo de Oliveira, “Ações terroristas do crime organizado, particularmente do narcotráfico, no Brasil a partir do Século XXI Implicações para o Exército Brasileiro”, também de especialização em ciências militares e defendido em 2018, discute os conceitos de terrorismo e crime organizado a fim de auxiliar o Exército a combatê-los.
De sua banca de defesa, participou o tenente-coronel Gian Dermário da Silva, flagrado ao enviar mensagens de teor golpista em grupo de WhatsApp de militares em 2022. Dermário disse que as mensagens eram “possibilidades” e “só conjecturas”.
A professora Adriana Marques, do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que a escolha, pelos oficiais, de temas relacionados a sua especialidade -no caso, as Forças de Operações Especiais- é “natural” na Eceme.
Ela lembra que, na década passada, uma parte importante da cúpula do Exército era oriunda de Forças Especiais.
Já o professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Piero Leirner diz que a especialização em Forças Especiais torna duvidosa a autenticidade de um plano de golpe repleto de falhas como o apontado pela PF. “Esses oficiais não cometeriam esse tipo de erro. Todo esse negócio tem cara de ser parte de uma operação psicológica.”
A defesa de Rodrigo Bezerra de Azevedo vem negando que tenha havido “a alegada trama de golpe” e fala em “armação política”. “É um grande factoide, já temos elementos a demonstrar a fragilidade dessa investigação”, afirmou o advogado Jeffrey Chiquini.
Os advogados dos outros militares não foram localizados pela reportagem.