MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – Argentina e Brasil não se comunicaram sobre o cerco de agentes da Venezuela à embaixada argentina em Caracas, que está sob os cuidados do Brasil desde que há quatro meses a equipe diplomática da representação foi expulsa do país. Ali vivem seis asilados políticos.

Como o fez em setembro passado, o regime de Nicolás Maduro voltou a cercar a sede diplomática no final da tarde deste sábado (23). Os seis asilados, membros do alto escalão da coalizão da líder opositora María Corina Machado, denunciam que o fornecimento de luz foi cortado.

O cerco realizado há mais de dois meses foi definidor para a decisão do candidato Edmundo González de exilar-se na Espanha, como os relatos posteriores demonstraram. A nova ação ocorre poucos dias após o regime anunciar nova investigação contra María Corina, pelos supostos crimes de traição à pátria e conspiração.

Interlocutores envolvidos no tema confirmam que não houve nenhuma tentativa de contato da Argentina. A baixa interlocução, mesmo que o Brasil esteja representando os interesses argentinos em Caracas, chama a atenção e reflete o “timing” da relação bilateral.

Relatam ainda que a embaixada não ficou sem luz, pois há um gerador, e que o serviço de distribuição da rua já teria sido retomado.

A chancelaria argentina passou por uma série de mudanças no último mês. A agora ex-chanceler Diana Mondino, que era o ponto focal da relação com o Brasil e que colocou panos quentes na má relação de Javier Milei e Lula mais de uma fez, foi forçada a deixar o cargo.

Em seu lugar foi colocado o ex-embaixador da gestão Milei nos EUA, Gerardo Werthein. Ele já sinalizou que quer manter os laços com Brasília –as trocas comerciais, ainda e aquém do que o Brasil deseja, seguem ocorrendo normalmente a despeito do mal-estar presidencial.

Às margens da falta de comunicação, a diplomacia argentina publicou uma nota sobre o tema. Nele, critica os atos “hostis e de intimidação contra as pessoas asiladas na embaixada” e, depois, agradece ao governo do Brasil por representar os interesses argentinos no país.

O governo brasileiro não se manifestou sobre o tema e não deve fazê-lo. As negociações correm nos bastidores. Há um funcionário brasileiro como ponto focal do contato com os asilados na embaixada, mesmo para providenciar itens como alimentação.

Mas a relação é diferente da que mantinha a diplomacia argentina.

O Brasil discorda da postura dos asilados de seguir trabalhando ativamente na campanha política de María Corina e Edmundo González, em desrespeito ao que prevê a Convenção sobre Asilo Diplomático. Mas Brasília mais de uma vez ofereceu enviar um avião para resgatar os asilados, que o regime de Maduro, também em violação à convenção, tem impedido de que saiam do país.

Após o anúncio da nova investigação contra ela, María Corina Machado convocou atos na Venezuela e no exterior para o dia 1º de dezembro. O volume dos protestos em Caracas diminuiu se comparado ao que era observado nos dias que sucederam o anúncio contestado da reeleição de Maduro em 28 de julho e sua proclamação no dia seguinte. O fator que pesa é a repressão em larga escala.

A relação Brasília-Caracas azedou. O regime passou a atacar verbalmente figuras como o assessor presidencial Celso Amorim, que esteve em Caracas nas eleições, e a instituição do Ministério das Relações Exteriores. Inicialmente o Brasil pediu a divulgação das atas eleitorais que comprovariam o resultado do pleito.

Inúmeros projetos independentes de checagem de votos com base em amostragem apontaram que o eleito foi Edmundo González.

González está no exílio em Madri, viajando pela Europa em busca de angariar apoio. Com María Corina, diz que voltará a Caracas em 10 de janeiro para tomar posse, ainda que esse cenário hoje seja inimaginável.