CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – No Paraná, o modelo de escola pública administrada por empresas privadas completa dois anos em dezembro. Implementado pela gestão do governador Ratinho Junior (PSD), a política funciona em caráter experimental em duas escolas da rede estadual, em Curitiba (Colégio Estadual Anibal Khury Neto) e São José dos Pinhais (Colégio Estadual Anita Canet), desde o início de 2023.

Tanto a Secretaria da Educação quanto as empresas afirmam que a parceria está dando certo. “O modelo de gestão trouxe melhorias em áreas como manutenção, logística e processos operacionais”, diz a pasta, que mantém a ideia de expandir a proposta para mais de 200 escolas no ano que vem.

O programa Parceiros da Escola foi elaborado em 2022, quando Renato Feder era o secretário de Educação. Em janeiro de 2023, quando o teste foi implementado nos dois colégios, Feder assumiu a mesma pasta em São Paulo. O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) deu largada neste ano ao seu projeto de parceria público-privada para administrar serviços de manutenção de 33 novas escolas estaduais.

Para críticos da medida, porém, o Paraná não consegue comprovar uma melhoria que seja proporcional ao valor injetado. Também argumentam que a experiência mostrou a impossibilidade de separar as áreas administrativas (de responsabilidade das empresas) das pedagógicas (sob a tutela do estado).

No caso paranaense, os consórcios também são responsáveis pela contratação de professores. Para a APP-Sindicato, entidade que representa os trabalhadores da educação, as empresas preferem lidar com aqueles contratados via CLT do que com os concursados.

As empresas do projeto-piloto recebem R$ 800 por aluno, mensalmente. Para se chegar ao valor, o estado considerou, entre outras coisas, os custos com professor. “Quando um concursado pede para ser transferido, ela [a empresa] pode contratar quem ela quiser para o lugar dele, mas com um salário inicial mais baixo”, afirma a professora Walkiria Mazeto, presidente do sindicato.

Pelo levantamento da entidade, no início eram 26 professores concursados nas duas escolas para 76 contratados via CLT. Agora, seriam apenas 6 concursados e mais 90 contratados pelas empresas.

Balanço do governo é diferente, mas confirma a redução de concursados nas duas unidades. Segundo a secretaria, o colégio Anibal contava inicialmente com 15 professores concursados, mas 3 se desligaram da unidade, optando por trabalhar em outros setores. No colégio Anita, 12 professores concursados saíram de lá –8 profissionais em janeiro de 2023 e mais 4 em janeiro de 2024. Atualmente, a escola tem 7 professores concursados lecionando no local, conforme a estimativa oficial.

As empresas negam pressão para professores concursados pedirem transferência para outras unidades, como tem relatado o sindicato. “A gestão de professores concursados não está entre nossas atribuições. Mesmo os CLTs estão sujeitos à avaliação e decisões da liderança pedagógica”, diz Cesar Cunha, diretor-executivo da Tom Educação, que atua no Anibal.

“A movimentação dos concursados não está entre nossas atribuições, cabendo a nós apenas a parte burocrática”, diz Isaac de Paula Carvalho, diretor-executivo do APG Gov, que integra o consórcio do Anita.

Cunha enviou à reportagem uma lista com dezenas de serviços feitos nas escolas, desde troca de lâmpadas e bebedouros, instalação de bancos e pinturas de paredes até construção de estacionamento e instalação de câmeras de segurança. “Ainda para 2024, planejamos novas intervenções, incluindo a construção de novos banheiros e ampliação das áreas de convivência”, explica.

Carvalho também cita serviços de manutenção e intervenções no Anita. “Estamos aguardando a aprovação da construção de um auditório para as atividades da escola e duas novas salas, para promover atividades culturais e maior integração da comunidade.”

Como estão as notas

O contrato com as empresas também prevê o pagamento de um bônus por aluno, vinculado ao cumprimento de metas. Mas a escolha delas –algumas ligadas a frequência e desempenho– também é questionada.

A secretaria diz que as metas são pedagógicas porque há um “impacto indireto da administração eficiente no ambiente de aprendizado”. Diz ainda ter observado melhorias nos índices de matrículas, frequência e desempenho escolar dos estudantes das duas escolas entre 2023 e 2024.

No Anita, a pasta cita que a frequência subiu de 84% para 88%. No Prova Paraná, exame da rede estadual, a média de acertos dos alunos da escola aumentou de 41% em 2022 para 45% em 2023.

O governo não informa, contudo, se avanço semelhante também foi identificado nas demais escolas.

Considerando o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), do Ministério da Educação, há melhora nas notas entre 2021 e 2023. A mensuração do possível impacto da mudança no indicador federal, no entanto, é prejudicada pela falta de dados completos.

No Anita, a nota do ensino fundamental (anos finais) foi de 4,8 para 5,4. Na rede, a evolução foi de 5,2 para 5,4 –quando analisado o ensino médio, faltam os dados de 2021 para comparação. Já no colégio Anibal, a nota do ensino médio foi de 4,4 para 4,5 –mesma evolução média observada na rede, que aumentou de 4,6 para 4,7. Nesse caso, faltam dados do ensino fundamental.

Galeria Entenda o que é o Ideb e como ele funciona Índice mede a qualidade da educação no Brasil https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1807382615828829-o-que-e-o-ideb-e-como-ele-funciona *** Mas um dos professores que atuaram no colégio Anita no ano passado diz que educadores teriam sofrido pressão para alterar notas e faltas de alunos.

“No dia 19 de dezembro de 2023, fizemos um conselho de classe porque tinham 44 alunos reprovados e eles [direção da escola] foram claros em dizer que era preciso resolver isso, porque a escola era uma vitrine do projeto-piloto”, relata o professor de filosofia Edson Mosko à Folha.

O colégio diz que “o conselho de classe seguiu o mesmo padrão de sempre, sem qualquer intervenção da empresa”. Já a gestão Ratinho Junior respondeu que a responsabilidade pelas notas e registro de frequência “é exclusivamente dos professores da rede estadual de ensino” e “qualquer manipulação de dados […] é considerada uma prática irregular”, sem citar eventual apuração do caso.

RAIO-X DAS ESCOLAS

Colégio Estadual Anibal Khury Neto

– Onde fica: bairro Uberaba, em Curitiba

– Número de alunos: 1.156 matriculados (em 2023, eram 1.000)

– Gestor: consórcio Insígnia Social, de São Paulo, formado pela Tom Educação e Rede Educacional Decisão

Colégio Estadual Anita Canet

– Onde fica: São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba

– Número de alunos: 965 matriculados (em 2023, eram 895)

– Gestor: consórcio Espaço Mágico/Sudeste, de Minas Gerais, formado pela Sudeste Gestão Educacional e Rede de Ensino Apogeu

Fonte: Secretaria de Estado da Educação do Paraná e Ministério da Educação