MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – O número de placas da Argentina chama a atenção no vai e vem de carros das ruas de Carrasco, região sofisticada nas cercanias de Montevidéu, que levam até a praia. Entre prédios baixinhos recém-construídos e casas conservadas do início do século 20, o vento forte faz balançar bandeiras dos dois candidatos à Presidência do Uruguai.

Os uruguaios decidiram levar a disputa para o segundo turno, que ficou entre o representante da centro-esquerda Yamandu Orsi e o governista Álvaro Delgado. A população volta às urnas neste domingo (24), para definir qual dos dois comandará o país pelos próximos cinco anos.

“Na outra eleição, eu votei com o bolso; agora, voto com o coração”, diz a moradora da capital uruguaia Inés González, 58, enquanto espera o sinal abrir em seu carro com um adesivo da Frente Ampla, de Orsi. “Certo, ganhe quem ganhe, seguiremos bons vizinhos”, diz um jovem que entrega panfletos de Delgado.

Diferentemente das divisões acentuadas entre direita e esquerda no Brasil, na Argentina ou no México, a arena política do Uruguai é relativamente livre de tensões, com uma sobreposição significativa de propostas entre as principais coalizões.

“Os dois principais campos são mais ou menos os mesmos em termos de política macroeconômica ou compartilham a visão do que é o Uruguai e de como enfrentar vários desafios econômicos”, diz a economista uruguaia Maria Dolores Benavente.

A presença de estrangeiros nas ruas de Montevidéu não é ocasional. Em 2020, logo após chegar ao poder, o presidente Luis Lacalle Pou tornou mais simples para eles se estabelecerem no país com vantagens fiscais, a chamada residência fiscal.

Ele definiu que a partir de julho daquele ano era preciso passar ao menos 60 dias no Uruguai, comprar uma propriedade a partir de US$ 510 mil (R$ 3 milhões) ou investir pelo menos US$ 2,2 milhões (R$ 12,8 milhões) em um negócio. A recompensa: não pagar impostos sobre a renda obtida no exterior por 11 anos.

Assim, o vizinho que há décadas atrai turistas ricos —sobretudo nos meses de verão para as praias e cassinos de Punta del Este— também viu crescer o número de estrangeiros milionários que decidiram ficar.

O país atraiu, por exemplo, o argentino Marcos Galperin (cofundador do Mercado Livre) e o colombiano David Vélez (cofundador do Nubank), que antes morava no Brasil e atribuiu a decisão à segurança.

Em 2022, o Uruguai recebeu US$ 3,3 bilhões (R$ 19,2 bilhões) em investimentos estrangeiros diretos, quase dobrando o montante de 2021 e superando o patamar pré-pandemia, de acordo com dados do banco central local.

Delgado é aliado do atual mandatário e defende ampliar o livre comércio e manter os impostos baixos. Já Orsi, que é apadrinhado político do ex-presidente Pepe Mujica, fala em criar uma “esquerda moderna” para enfrentar a falta de moradia e a pobreza.

Uma guinada à esquerda na política uruguaia chegou a levantar dúvidas sobre o futuro das medidas de atração de investimentos.

Na sua primeira entrevista internacional antes do primeiro turno, em 27 de outubro, Orsi minimizou os temores de que um eventual governo da Frente Ampla aumentaria a arrecadação elevando a cobrança de impostos sobre os super-ricos ou as empresas.

Ainda em setembro, ao participar de evento do Conselho Interamericano de Comércio e Produção, diante de empresários argentinos, o esquerdista garantiu que o país vai continuar aberto ao investimento estrangeiro e que a política uruguaia tem uma estabilidade que independe de quem esteja no poder. “A oposição, quando chega a sua vez de governar, raramente desmonta tudo e começa de novo.”

Para Daiana Ferraro, cientista política e especialista em relações internacionais da Universidad de la República, a crise econômica de 2002 deixou em todos os partidos políticos a convicção de que a estabilidade macroeconômica é um objetivo imprescindível.

Ela explica que a saída da crise baseou-se em um acordo geral e que durante os 15 anos de governo da Frente Ampla, o manejo fiscal responsável, a meta inflacionária, o grau de investimento e a preocupação com a dívida externa foram objetivos perseguidos e depois mantidos pelo atual governo do Partido Nacional, que obteve melhores resultados na inflação, mas não no déficit fiscal e no manejo da dívida, que aumentaram levemente.

Ferraro destaca que ambos os candidatos propõem atualizar a Lei de Promoção de Investimentos, que se aplica a investidores estrangeiros que procuram o país e a empresários nacionais que decidam aportar recursos no Uruguai.

A chapa governista sugere manter os benefícios atuais e também estendê-los a diferentes produtores e pequenas e médias empresas nacionais, além de promover a criação de parques industriais e científico-tecnológicos, para incentivar a instalação de indústrias manufatureiras e de serviços correlatos.

Também para a esquerda, essa é uma política a ser conservada. Desde o segundo governo de Tabaré Vázquez (2015-2020), incentivou-se fortemente esse tipo de parque e a atração de investimentos baseados no talento humano, como tecnologia da informação e comunicação, biotecnologia, farmacêutica, entre outros.

Com relação à atração de multimilionários, Ferraro avalia que esse ponto está sujeito ao que acontecer com o imposto mínimo global —acordo envolvendo mais de 140 países, para cobrar uma taxação mínima de 15% sobre o lucro das maiores multinacionais do planeta, conforme regras definidas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

“No Uruguai, a tributação do Imposto de Renda atinge os mínimos exigidos, mas não para aqueles que se beneficiam dos regimes especiais. Na recente declaração do G20, a progressividade dos impostos e a tributação dos super-ricos foram mencionadas. Isso é um desafio para qualquer um que vença as eleições”, pondera a professora.