SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Motoristas estão adquirindo contas falsas para prestar serviço por meio de aplicativos de transporte na cidade de São Paulo, segundo representantes da categoria. A prática, ainda de acordo com eles, envolve tanto pessoas que querem apenas trabalhar quanto por criminosos com o objetivo de roubar passageiros.
Ao menos duas pessoas foram atacadas em setembro e outubro por um mesmo homem, que utilizou duas contas falsas para aceitar as corridas. Nos dois casos, o embarque ocorreu no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. O motorista foi preso e confirmou ter comprado as contas de um intermediador.
Segundo o sindicato e a associação dos condutores, os casos têm proliferado mais recentemente. Os perfis seriam montados com dados obtidos em sites e aplicativos em que se pode visualizar informações pessoais. As fotos usadas seriam semelhantes às dos rostos dos condutores para não levantar suspeitas, de acordo com a Associação de Motoristas de Aplicativos de São Paulo.
O presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativo do Estado de São Paulo, Leandro Cruz, disse que as plataformas vêm bloqueando muitos condutores, que acabam não conseguindo voltar a trabalhar, o que abriu uma porta para as contas falsas.
“Muitos dos que estão nessas contas fake são trabalhadores que perderam a conta das plataformas e não têm outro jeito de ganhar dinheiro. Claro que isso é errado, mas é o jeito de a pessoa sobreviver também”.
Cruz encaminhou para a reportagem a imagem de um anúncio em um grupo de WhatsApp em que uma conta falsa para atuar na Uber era oferecida por R$ 200, com garantia de 30 dias. Uma outra opção era uma conta só com um primeiro nome, por R$ 250. O mesmo intermediário prometia um cadastro com preços mais baratos para rodar na 99: R$ 150 com um nome aleatório e R$ 200 com nome completo. Ambos com garantia de seis meses.
“Inclusive no Instagram tem pessoas vendendo contas fake. As empresas, Uber e 99, todas elas sabem, mas não fazem nenhum tipo de movimento para solucionar esse problema”, acrescentou Cruz.
A Folha procurou a Uber e a 99 para saber o posicionamento das empresas quanto ao uso de cadastros falsos. Elas indicaram que a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) se manifestaria sobre o tema.
Em nota, a entidade disse que as plataformas têm a segurança de motoristas parceiros e usuários como prioridade. Segundo a associação, os motoristas precisam ser cadastrados nas plataformas com seus dados e estar com a documentação do veículo em dia.
Além disso, de acordo com Amobitec, os dados do motorista parceiro e do automóvel são validados em sistema oficial do governo e passam por checagem regular de apontamentos criminais.
Uma das vítimas, uma psicóloga de 57 anos, afirmou ter conferido a placa do veículo antes de embarcar no aeroporto de Guarulhos na noite de segunda-feira, 7 de outubro. Ela disse que ficou tranquila após o motorista a chamar pelo nome. Mesmo assim, ela caiu em um golpe.
O condutor Yam era na verdade, segundo a Polícia Civil, Juan Emanoel dos Santos, 30. Ele roubou pertences da vítima e fugiu. Ao ser preso por policiais civis dez dias depois do crime, descobriu-se que havia atacado outra mulher em setembro. A vítima era uma advogada de 32 anos que foi obrigada a efetuar R$ 18 mil em transferências bancárias. Nesse caso, ele usou um perfil em nome de Elcio.
Santos dirigia um carro alugado e usou armas brancas para ameaçar as mulheres, que o reconhecerem. Segundo a polícia, ele confessou o crime para os policiais que o prenderam.
A advogada disse à reportagem que sentiu muito medo e que chegou a ter uma crise de pânico no interior do veículo, mas que se controlou para evitar que algo de mais grave acontecesse. Ela afirmou não ter tido suporte da Uber.
Outra queixa relatada à Folha foi de que chegou a encaminhar uma imagem com o perfil do motorista que a atacou. Segundo ela, o conteúdo mencionava o mesmo carro que, depois, foi usado no ataque à psicóloga.
O presidente da Associação de Motoristas de Aplicativo de São Paulo, Eduardo Lima, afirmou ter recebido denúncias de condutores que deixaram de trabalhar e, quando quiseram retornar, souberam que suas contas estavam bloqueadas. O bloqueio teria ocorrido após o uso do perfil por outras pessoas durante o período sabático.
“Essas contas fakes duram 30 dias e [custam] em média R$ 200 a R$ 400”, disse Lima. “E esses caras, que são uma minoria, prejudicam uma classe inteira, porque o passageiro fica desconfiado de todos.”
Procurado, o Ministério Público disse ter aberto um Inquérito Civil na área do consumidor para verificar como são contratados e mantidos os motoristas de aplicativos. “A função do IC é apurar as responsabilidades e sanar eventuais falhas para garantirmos mais segurança aos usuários dos aplicativos”, disse a Promotoria por meio de nota.