GUILHERME LUIS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não são aplausos efusivos que acompanham os créditos do filme “Ainda Estou Aqui”. As palmas começam tímidas, das mãos de um público ainda embriagado, de gente com o nariz escorrendo.

É sobre os horrores da ditadura e suas consequências sobre uma família, afinal, que trata o novo filme de Walter Salles, que somou mais de 1 milhão de espectadores nas duas semanas em cartaz, e que vem surtindo uma emoção fora do comum no público.

É difícil lembrar de outro drama nacional que tenha suscitado aplausos ao fim das exibições —algo parecido, mas menor, ocorreu com “Bacurau”, de 2019, e “Tropa de Elite”, em 2007.

A reportagem presenciou sessões de “Ainda Estou Aqui”, lotadas e aplaudidas, no Espaço Augusta, perto da avenida Paulista, outra no shopping Bourbon, na zona oeste de São Paulo, e mais uma, em Mogi das Cruzes, no último sábado, em plena hora do almoço.

Alguns fatores podem explicar o fenômeno. Primeiro, a torcida por uma nomeação de Fernanda Torres ao Oscar —ela protagoniza o filme como Eunice Paiva, advogada e mãe de cinco filhos que perdeu o marido, preso pela ditadura militar. A atriz vem liderando uma campanha exaustiva do filme, com viagens a Los Angeles, coração do cinema americano. A expectativa é que o longa seja indicado à estatueta de filme internacional e, com alguma sorte, à de melhor atriz.

Torres recebeu 2,5 milhões de curtidas numa foto em que aparece no Instagram da Academia do Oscar. É uma quantidade 50 vezes maior que os likes na foto da americana Demi Moore, protagonista do horror “A Substância”.

Na vida real, os aplausos fazem as vezes das curtidas virtuais. Há de se levar em conta também a parcimônia com que “Ainda Estou Aqui” trata da ditadura, com cuidado para não tomar partido na briga política que há anos racha o país.

O filme quer mostrar Rubens Paiva primeiro como um pai de família, antes de um ex-deputado cassado e depois morto pelo regime militar. Assim, evita ofender uma ala mais conservadora do público que potencialmente enxergasse na tela uma propaganda da esquerda, historicamente mais crítica ao período da ditadura.

O que vemos na verdade é um homem bondoso, feito por um carismático Selton Mello, que é tirado dos seus filhos pelas mãos de policiais carrancudos. Fica difícil não sentir alguma empatia.

“O sucesso de público tem a ver com a ideia de transformar um filme que deveria ser político num objeto para toda a família”, diz Adhemar de Oliveira, administrador do Espaço Augusta de Cinema. “É, ao mesmo tempo, conservador e interessante. Um filme desse dar 1 milhão de espectadores em duas semanas é do caramba.”

Um dos bairros mais à direita de São Paulo, a Mooca não chegou a aplaudir o filme, mas tinha sessões quase esgotadas nesta semana. A região foi a terceira maior votante de Jair Bolsonaro, defensor ferrenho da ditadura militar, nas últimas eleições presidenciais.

É um fato notório, já que o shopping do bairro recebe poucos filmes nacionais e, quando os recebe, fica preso a comédias e tramas infantis.

Na sessão visitada pela reportagem, cerca de uma hora antes do início do filme, as duas fileiras mais próximas da tela, que normalmente ficam vazias, já estavam tomadas. A vontade de ver o filme era tanta que uma mãe, com um bebê de poucos meses, não saiu da sala em nenhuma das várias vezes que o filho chorou alto.

Aliás, os aplausos têm a ver também com quão desinibidas —e sem falta de senso coletivo— estão as pessoas nos cinemas. Uma campanha pela volta dos lanterninhas tem se espalhado pelas redes sociais, cheias de relatos sobre pessoas insatisfeitas com gente que papeia em voz alta durante o filme ou que levanta os celulares para fotografar as telas.

Depois de tanta balbúrdia, então, uma salva de palmas não parece tão barulhenta assim.

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Colaborou Leonardo Sanchez e Roberto de Oliveira