SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu sempre fui meio melancólico, e a criação de obras em série é um modo de evitar essa melancolia”, diz o designer Humberto Campana, se confrontando com algumas obras de arte sendo montadas por sua equipe.

Neste sábado, ele inaugura a mostra “Eu Escuto”, na galeria Luciana Brito, expondo, pela primeira vez, peças que desenhou, sem a companhia do irmão, Fernando Campana, que morreu há dois anos. Nos anos 1980, eles fundaram o Estúdio Campana e se tornaram os designers brasileiros mais conhecidos no mundo.

Em “Eu Escuto”, a voz de Fernando ecoa nos 20 trabalhos expostos. A mostra é a elaboração de um luto, que se tornou matéria. “Eu tomei antidepressivos por duas décadas, mas, desde a morte do meu irmão, eu parei de tomar”, afirma Humberto.

“É para mostrar que eu sou forte.” Na entrada, há uma série de desenhos, que configuram um diário do artista dos últimos dois anos. Assim como o irmão, Humberto passou a desenhar formas que se assemelham a estruturas celulares. Ao que parece, as formas são uma tentativa de encontrar a substância dos objetos -ou mesmo a vida que neles reside.

Uma série de totens, produzidos com terracota, palha e metal, se impõe, em suas dimensões longitudinais. “Buco”, “Boca”, “Papila” e “Faringe” restituem a ausência de um corpo, sob uma perspectiva espiritualizada. Remetem ao aparelho fonador do ser humano, numa afirmação da linguagem como manifestação primeva da criação. “Agora não tem uma pessoa para eu brigar junto, era um processo caótico. Agora é tudo mais certeiro e intuitivo.”

No interior das bocas dos totens, pontos metálicos brilham, atribuindo um sentido etéreo às estruturas terrosas. Tradição milenar, o totemismo fazia parte da cultura dos povos indígenas da África e da América do Norte como representação das divindades. Em seu processo intuitivo, Humberto nem atinou para a importância dos totens, na cultura indígena, diante da perda.

Transformar o tabu em totem é um modo de dar sentido à vida dos que já desapareceram. Não à toa, Humberto afirma, na mostra, o design à sua maneira.

Ele emprega, por exemplo, materiais que notabilizaram seu trabalho. Composta por uma estante e um banco, a série “Faquir” é toda feita de bambu, remetendo a uma certa ideia do brasileiro, aquele que pode até envergar, mas resiste às intempéries do tempo ou da própria existência.

Nesses dois móveis, o bambu está ali in natura, sem intervenção humana. Ao longo da carreira, os irmãos Campana advogaram pelo reaproveitamento dos materiais, em um pensamento sustentável. Para Humberto, não se trata de uma luta vã, mesmo com a onda conservadora no mundo, simbolizada pelo retorno do republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. “Árvore é vida. O pessoal não tem consciência disso, o que me deprime muito. Eu pelo menos estou fazendo uma coisa boa”, afirma Humberto.

Algumas das principais criações da dupla são a cadeira “Vermelha”, que integra o acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, e a poltrona “Favela”. Humberto conta que, se desse o nome de “Favela” a uma obra hoje, provocaria um ruído podendo até ser acusado de elitismo.

Ele diz ser positivo ter um reconhecimento maior fora do país. “Se você fica bêbado de sucesso, tudo já acabou. Aqui eu sou uma pessoa comum. Em Milão, preciso ser um pouco mais comportado.” Humberto passou toda a entrevista com lágrimas nos olhos.

Se a arte evitava esse sentimento, agora a tristeza passou a ser uma força construtora, assim como ocorreu em sua infância, em Brotas, no interior de São Paulo, quando era excluído das outras crianças. Na sua cidade natal, ele inaugurou, no mês passado, o Parque Campana, um espaço com oito pavilhões e obras gigantescas. “Eu não acredito nessa coisa de ser feliz o tempo todo. Eu sou feliz quando eu paro de pensar um pouco, o que é raro.”

FERNANDO CAMPANA – ‘EU ESCUTO’

Quando De 23 de novembro a 20 de dezembro. Seg., das 10h às 18h; ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h

Onde Galeria Luciana Brito – av. Nove de Julho, 5.162, São Paulo

Preço Grátis

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