SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta alta firme nesta quinta-feira (21), em meio à escalada de tensões entre Rússia e Ucrânia e à ansiedade de investidores pelo anúncio de medidas fiscais do governo brasileiro.

Às 12h, a moeda norte-americana subia 0,69%, cotada a R$ 5,816, em movimento global de valorização. Já a Bolsa tinha forte queda de 1,06%, aos 126.834 pontos.

De volta do feriado do dia da Consciência Negra, os investidores têm a cena internacional como destaque. Pela primeira vez na história, a Rússia disparou em combate um míssil intercontinental desenhado para uso em guerra nuclear, em ataque contra a Ucrânia.

Segundo a Força Aérea de Kiev, ele carregava múltiplas ogivas convencionais e atingiu a cidade de Dnipro na madrugada.

O incidente representa uma dramática sinalização simbólica na guerra, que vive um perigoso momento de escalada.

Ele começou no fim de semana, quando foi revelada a autorização dada pelos Estados Unidos para que Kiev pudesse empregar mísseis americanos com alcance de até 300 km contra alvos dentro do território russo.

O governo de Volodimir Zelenski, muito pressionado no campo de batalha, pedia havia meses a medida e, já na terça (19) promoveu o primeiro ataque contra um arsenal russo a 150 km de sua fronteira.

Em resposta, o presidente russo, Vladimir Putin, flexibilizou as condições para o uso de armas nucleares.

O uso do míssil deu vazão para temores de uma expansão acentuada da guerra, com a possibilidade de envolver até membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar da qual os Estados Unidos fazem parte.

Nos mercados globais, as preocupações se estendem também para novos choques de oferta de commodities, como petróleo, gás e grãos. Além da alta de 2% do barril de petróleo Brent na Bolsa de Londres, os investidores seguem avessos a ativos de maior risco e buscam segurança no dólar.

A moeda norte-americana ainda tem ao seu favor o movimento chamado de “Trump Trade” —quando agentes financeiros escolhem investimentos ou ligados diretamente ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, ou que poderão se beneficiar pelas políticas do novo governo.

Enquanto ainda era candidato, o republicano prometeu aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações norte-americanas, incluindo as que vêm de países aliados. Para os produtos chineses, o aumento prometido é de pelo menos 60%.

As tarifas inibem o comércio global, reduzem o crescimento dos exportadores e pesam sobre as finanças públicas de todas as partes envolvidas. É provável que elas aumentem a inflação nos Estados Unidos, forçando o Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) a agir com juros altos por mais tempo —o que fortalece o dólar.

“Isso voltou a ser manchete hoje por causa das últimas indicações de Trump ao governo, em especial de Howard Lutnick para ser secretário do Comércio”, diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.

Banqueiro e bilionário, Lutnick compartilha com o republicano o entusiasmo por criptomoedas e indicou ser a favor da imposição de altas tarifas para produtos importados.

“O ‘Trump Trade’ é uma operação inflacionária, e as repercussões disso nas taxas de juros e no dólar mais forte se espalha para outras regiões. Está incluso nisso o Brasil, que já está sensibilizado pela ansiedade em torno do pacote de cortes de gastos que o governo fracassou em apresentar até aqui”, diz Spiess.

A espera pelas medidas fiscais já entrou na quarta semana. A ala econômica do governo havia primeiro dito que o pacote seria divulgado depois das eleições municipais, findadas em 27 de outubro, e, desde então, ele foi sucessivamente adiado. A última previsão era para depois do G20, encerrado na terça-feira.

Mais cedo nesta quinta, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse em entrevista que há expectativa de que a redação do pacote seja finalizada nesta semana, com a data de anúncio a ser definida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Segundo ele, Lula já definiu que o governo não mexerá em investimentos nas áreas de saúde e educação, consideradas essenciais ao país.

O chefe da Casa Civil garantiu ainda que o governo seguirá “à risca” o arcabouço fiscal e disse que os ajustes no Orçamento deste ano a serem anunciados pela JEO (Junta de Execução Orçamentária) do governo na sexta-feira provarão este compromisso.

A economia é estimada por integrantes do governo em R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões em 2025. Já em 2026, o alívio é calculado em R$ 40 bilhões, totalizando um corte de R$ 70 bilhões.

“Quanto mais se postergar o anúncio, maior a pressão sobre os ativos domésticos, inclusive reduzindo a liquidez, o que é natural para momentos de incerteza”, afirmou o economista Alexsandro Nishimura, da Nomos.

Nesta quinta-feira, a agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prevê reunião com o presidente Lula às 15h.

A ansiedade do mercado se refletia na curva de juros brasileira, com as taxas subindo para todas as datas de vencimento, com altas sólidas nos contratos de prazos mais longos. Isso afetava as ações mais sensíveis à economia doméstica na Bolsa, como Magazine Luiza (-2,45%), Lojas Renner (-3,07%) e MRV (-2,72%).

Vale ainda caía 0,60% e Petrobras, 0,52%, ambas na contramão da valorização de suas commodities de referência no exterior.