SESIMBRA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Cor de cal, o branco se destaca ainda mais diante do fundo azul tomado pela imensidão do Atlântico. Existe uma igrejinha, meio a ermo, à beira do penhasco. Datada do final do século 15, a Ermida da Memória exibe uma arquitetura de traços mouriscos que nos leva a uma viagem pelo tempo. Nela, temos a companhia do vento que corre forte, mas que mesmo assim nos permite ouvir o arrebento do mar em sintonia com o canto dos passarinhos.

Ao conhecer a história da ermida, então, tudo parece ainda mais encantador. A lenda relata o sonho de dois idosos que viram a aparição da Senhora do Cabo a ser carregada por uma mula branca. Ao subir a falésia, ela teria marcado o trilho com seus cascos. Mais tarde, esse caminho foi identificado como já feito por dinossauros do Jurássico Superior, período aproximadamente entre 163 milhões e 145 milhões de anos atrás.

Há muito tempo, crenças e histórias se fundem nesse lugar. Estamos no Cabo Espichel, ponto de perigo nas rotas marítimas da antiguidade, na região da serra e do Parque Natural da Arrábida, uma das maiores reservas ecológicas de Portugal.

A cerca de 40 km de Lisboa, esse trecho que envolve a costa portuguesa fica, sobretudo, entre as cidades de Setúbal e Sesimbra. É marcado por falésias formadas por calcário, verdadeiros paredões costeiros, como os que sustentam a Ermida da Memória, de declividade acentuada que se formam no litoral.

A natureza nesse cantinho à beira-mar é exuberante. Praias não faltam. Muitas delas rodeadas por uma densa cobertura de floresta mediterrânea.

Agora que o verão europeu deu uma trégua, o momento é ideal para conhecer a região. Mesmo nestes tempos outonais enlouquecidos pela crise climática global, a temperatura segue agradável, convidativa à contemplação litorânea, quiçá ao banho. Os termômetros oscilam de 25ºC a 27ºC.

Ao pisar na areia fofa e olhar para aquele marzão turquesa, depois de cruzar por um labirinto de ruas tortas e estreitas do centro velho de Sesimbra, qualquer sensação de peso urbano logo se esvai ao sabor da brisa.

É uma vila pitoresca, com certeza, aqui chamada de piscatória, uma composição poética, literária, que tem por assunto a pesca, a relação entre pescadores e vida do mar. Tal vínculo de raízes históricas parece inesgotável ao nos depararmos com peixes frescos e gaivotas a planar entre a serra e o oceano.

Fundada no topo de uma colina, a vila que virou cidade cresceu ao redor do Castelo de Sesimbra, que remonta ao período da ocupação muçulmana do território. Foi reconquistado, voltou para a posse dos mouros e novamente para os portugueses.

Restaurado, segue proporcionando uma das vistas mais acachapantes desse ambiente embriagado pelo sal do mar, sobretudo no pôr do sol. Dá para chegar até lá caminhando, coisa de meia hora, ou de carro, percurso de uns dez minutos -no alto, há uma cafeteria propícia a uma pausa enquanto a paisagem é admirada.

Foi justamente a riqueza piscícola do Atlântico que fez o povo de Sesimbra descer do alto da colina e se deslocar para as áreas próximas ao mar, fortalecendo seus vínculos pesqueiros, alavancando seu porto.

Diante da imponência das falésias de calcário, a charmosa Sesimbra é um lugar de veraneio, badalado não só durante o verão. Fora da alta temporada, dá para almoçar numa tasca honesta, tendo a sardinha, peixe mais pescado em Portugal, como destaque. Os gastos ficam em torno de € 20.

Na avenida principal em frente à praia, chovem lugares com brasileiros no comando. Pouco importa se faz calor ou frio, os bares e cafés na avenida dos Náufragos vivem cheios, porque o importante ali é o Sol brilhar junto às águas do mar.

No Porto do Abrigo, uma frota colorida de barcos pesqueiros reforça sempre a vocação desse lugar. Com murais que retratam a tradição piscatória, a cidade concentra um leque diverso de praias. A das Bicas, por exemplo, é a queridinha da galera que pratica surfe e bodyboarding, por causa da sua ondulação, enquanto a praia da Califórnia tem um mar calminho, ideal para famílias com crianças e marmanjos que só querem sossego.

Um dos sítios mais emblemáticos, tanto do ponto de vista histórico quanto de posicionamento geográfico, é o Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel, onde fica também a Ermida da Memória, no topo da escarpa da baía dos Lagosteiros.

Ponto de perigo para a navegação na antiguidade, o cabo ganhou um farol, construído no século 18, que segue funcionando. Por ali, é possível observar espécies migratórias de passagem e também aves que nidificam nas falésias, caso do falcão-peregrino. Enfim, é um refúgio de paz e tranquilidade, onde a natureza nos brinda com um alento.