BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) aprovou nesta terça-feira (12) o tombamento definitivo do Complexo Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, que inclui o conhecido ginásio do Ibirapuera.
O relatório aprovado por unanimidade inclui o terreno onde o Exército pretende construir dois prédios de moradia de 13 andares cada, vizinho à ‘Mancha dos Bombeiros’, conjunto de cerca de 200 imóveis cujo tombamento havia sido aprovado antes pelo órgão municipal de patrimônio, o Conpresp.
A decisão vem menos de quatro anos depois de o então presidente Jair Bolsonaro (PL) prometer que “não mediria esforços” para tombamento pelo Iphan, que agora atrapalha os planos do Exército e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que pretendia levar adiante a concessão do complexo.
“As mobilizações em favor do ginásio expressaram a premissa de que o patrimônio se constitui na relação das pessoas com seus espaços, práticas que são em si patrimônio. As manifestações públicas mostraram a multiplicidade de valores culturais que recaem sobre o lugar. O equipamento esportivo, além do valor arquitetônicos, que é inegável, carrega a memória de grandes eventos esportivos, shows e esportivos diversos”, disse em seu voto a relatora Flávia Brito do Nascimento.
O parecer aprovado considera a mesma área de entorno do tombamento provisório, incluindo uma região retangular a nordeste de faixa do Exército onde estão localizados, entre outros, um hotel de trânsito de oficiais, o 8º Batalhão de Polícia do Exército e residências do Comando do Sudeste.
Em 2022, a 2ª Região Militar do Comando Militar do Sudeste do Exército havia apresentado requerimento de intervenção na área envoltório ao bem tombado para construir dois prédios de moradia para profissionais ligados ao novo Colégio Militar em terreno que tem entrada pela rua Tutoia.
Após o pedido, a coordenadoria técnica do Iphan em São Paulo reabriu o processo de tombamento e reduziu a área de entorno para uma linha imaginária a 150 metros da divisa entre o terreno do complexo esportivo e do Exército. É essa versão que aparece no edital de tombamento, publicado em abril.
A Associação dos Moradores da Vila Mariana (AVM), porém, contestava a linha imaginária e defendia que o tombamento deveria considerar todo o terreno. Ao longo do processo, a Superintendência de São Paulo defendeu que a construção dos edifícios não alteraria a paisagem urbana tendo os bens tombados como ponto de vista.
Em seu parecer, a arquiteta Flávia Brito do Nascimento defendeu que a área de entorno deve considerar todo o terreno da Invernada dos Bombeiros, integrado à área pública desde 1926. “A área de entorno, na sua completude, congrega visualmente com o conjunto a horizontalidade e a baixa densidade que predominaram todos esses anos, responsáveis por colocar em destaque a retórica monumental e visual do conjunto esportivo.”
No complexo, o tombamento inclui quatro edificações: o Ginásio Esportivo Geraldo José de Almeida, conhecido como “ginásio do Ibirapuera”, o Estádio Ícaro de Castro Mello, ambos projetados pelo arquiteto Ícaro, o Conjunto Aquático Caio Pompeu Toledo, do arquiteto Nestor Lindenberg, e o Ginásio Poliesportivo Mauro Pinheiro, anexo ao estádio.
Ficam fora do tombamento outras edificações hoje presentes no complexo, incluindo o palácio do judô, a moradia de atletas do antigo Projeto Futuro e as quadras externas de tênis, que não têm valor arquitetônico significativo.
A discussão sobre o tombamento do complexo projetado pelo arquiteto e atleta olímpico Ícaro de Castro Mello começou em 2017, por solicitação de um morador da região, no conselho estadual de patrimônio histórico, o Condephaat, após a gestão Geraldo Alckmin (então no PSDB) iniciar as discussões sobre a privatização.
O relatório técnico, que defendia o tombamento, só foi levado a votação no fim de 2020, após a divulgação da minuta do edital de privatização e de profundas mudanças na composição do conselho.
O tombamento acabou rejeitado no Condephaat com voto favorável dos representantes de universidades, do próprio Iphan e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), mas com a rejeição de todos os 13 representantes da então gestão João Doria (PSDB).
O tema foi levado ao Iphan sob influência do governo Jair Bolsonaro (PL), que se opunha politicamente a Doria e disse a atletas que não mediria esforços para barrar a iniciativa, conforme confirmou o então secretário de Esporte, Marcello Magalhães, à Folha.
No Iphan, o processo já havia sido iniciado no fim de 2020, a partir de três documentos: uma carta do arquiteto Ricardo Augusto Romano Sant’Anna solicitando o tombamento, um abaixo-assinado com 72 mil assinaturas e uma carta aberta assinada por docentes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Independente da influência de Bolsonaro, o tombamento já era amplamente defendido por arquitetos e especialistas em patrimônio histórico, e a decisão pelo tombamento emergencial veio em novembro de 2021.
O modelo de tombamento foi contestado judicialmente pelo governo de São Paulo, primeiro na gestão Doria e depois sob Tarcísio, mas o mandado de segurança impetrado pelo estado foi rejeitado pela Justiça Federal no início deste ano.
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RELEMBRE A DISCUSSÃO DO TOMBAMENTO DO COMPLEXO CONSTÂNCIO VAZ GUIMARÃES
2017 Gestão Geraldo Alckmin anuncia plano de privatização e morador pede o tombamento do complexo no Condephaat (estadual)
Setembro/2020 – Governo João Doria (PSDB) propõe concessão do complexo com previsão de demolição do estádio e transformação do ginásio em shopping
Novembro/2020 Condephaat rejeita o tombamento e, na prática, libera concessão
Dezembro/2020 Arquiteto pede tombamento junto ao Iphan (federal)
Dezembro/2020 Justiça barra edital para proteger o complexo
Abril/2021 Iphan autoriza tombamento provisório emergencial
Jan/2024 Justiça federal rejeita mandado de segurança do estado e mantém o tombamento provisório
Novembro/2024 Iphan aprova o tombamento definitivo