BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após assistir a uma palestra sobre mudanças climáticas do físico Paulo Artaxo no Palácio do Planalto em setembro, o presidente Lula (PT) mandou chamar o pesquisador para repetir o conteúdo no dia seguinte a chefes de todos os Poderes.

Diminuição das chuvas no Centro-Oeste em 40%, conversão do Nordeste de uma região semiárida para árida e surgimento de áreas inabitáveis foram parte das previsões expostas pelo pesquisador.

Artaxo diz que naquele momento, há pouco menos de dois meses, caiu a ficha em Lula sobre os efeitos das mudanças climáticas para o Brasil.

“O Brasil tem que pensar o que fazer com os milhões de brasileiros que vivem na região nordestina que não vão ter condições de sobrevivência já no futuro relativamente próximo”, diz Artaxo em entrevista à reportagem. “O Brasil, por ser tropical, vai ser um dos países mais negativamente atingidos.”

Nesta segunda-feira (11), começa em Baku, no Azerbaijão, a COP29, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, com o desafio de discutir financiamento para ações em países em desenvolvimento.

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PERGUNTA – Como foi a reação de Lula a sua palestra em setembro?

PAULO ARTAXO – Ainda não tinha caído a ficha dos potenciais impactos das mudanças climáticas para o Brasil. Enfatizei muito que a redução da precipitação no Brasil central pode tornar o agronegócio brasileiro muito menos produtivo do que em algumas décadas atrás.

Ecossistemas como o pantanal e a amazônia vão se tornar muito mais secos. Enfatizei que as mudanças climáticas são um agente muito importante para aumentar as desigualdades sociais. E, como o presidente Lula é, obviamente, muito sensível a essa questão, isso acendeu um alerta para ele.

P – Há no discurso do governo a ideia de que somos líderes verdes. Quão verdadeiro é isso?

PA – Na matriz energética nacional, 80% da geração é renovável. Nenhum país chega perto. Então, desse ponto de vista, o Brasil tem um papel muito forte de liderança.

Evidentemente tem que fazer a sua lição de casa e fechar as termoelétricas a carvão do sul e fechar ou então diminuir muito o uso de petróleo nas termoelétricas movidas a óleo combustível. O mais rápido possível.

P – É possível conciliar a exploração do petróleo pelo Brasil, como defende o governo, com o enfrentamento da mudança climática?

O Brasil tem que acabar com a exploração de petróleo o mais rápido possível dentro das possibilidades de desenvolvimento do nosso país. Isso é o que a ciência coloca claramente. Não só o Brasil, mas todos os países.

Na reunião, várias pessoas manifestaram que o Brasil deve continuar explorando o petróleo. Isso é um erro fatal.

P – O sr. também mencionou na palestra expandir as áreas de conservação…

PA – São as áreas florestais não destinadas. O Brasil tem enormes áreas da amazônia que não são nem territórios indígenas, nem parques nacionais e nem nada. É uma terra que não é de ninguém e não tem função nenhuma, então é muito fácil de ela ser ocupada ou, basicamente, servir para ilícitos.

É muito importante dar uma destinação para essas áreas, inclusive para que elas possam legalmente ser protegidas. Esse é o ponto principal.

P – Governo e Congresso têm se movimentado muito para incentivar biocombustíveis; mas para ações voltadas ao grande emissor brasileiro, o desmatamento, o cenário parece diferente. Como o sr. avalia?

PA – O desmatamento é responsável por 52% das nossas emissões. Nenhum outro país tem a oportunidade de reduzir em 52% as suas emissões a um custo baixíssimo, de uma maneira rápida e com enorme retorno positivo.

É fundamental que o Brasil cumpra o seu compromisso de zerar o desmatamento até 2030. É factível.

P – Como o sr. sentiu a resposta de parlamentares presentes na reunião nesse ponto do desmatamento?

PA – Evidentemente, o deputado Lira já indicou que seria muito difícil o Congresso aprovar uma legislação alterando o Código Florestal para proibir todo o desmatamento. [Mas] a ciência coloca que isso é absolutamente necessário para que o Brasil atinja os seus compromissos internacionais.

P – Para onde estamos caminhando em termos de temperatura?

PA – Estamos indo para um aumento global de temperatura da ordem de 3°C [em relação ao nível pré-industrial]. É a realidade de hoje, quando o compromisso do Acordo de Paris para limitar em 1,5°C não tem a menor chance de ser atingido.

Estamos indo rapidamente para um aumento de 2°C provavelmente já nessa próxima década. Todos os cenários para 2050 e 2100 estão virando realidade muito mais cedo.

P – E quais as consequências para o Brasil?

PA – O primeiro ponto, que chocou o presidente Lula, é que o Brasil, por ser tropical, vai ser um dos países mais negativamente atingidos. Dois graus para quem vive em Teresina, Palmas ou Cuiabá vai ser muito mais importante do que em Estocolmo, Oslo ou na Bélgica. Então o Brasil é um dos que mais têm a perder. E essa mensagem o presidente Lula pegou perfeitamente.

O Nordeste, que era uma região semiárida, está se tornando rapidamente uma região árida. Onde chovia 300 milímetros por ano, que é uma chuva muito pequena, agora está chovendo 200 e daqui a pouco vai chover 100. O Brasil tem que pensar o que fazer com os milhões que vivem na região nordestina que não vão ter condições de sobrevivência já no futuro relativamente próximo.

P – Em quanto tempo esse cenário vai se concretizar?

PA – É impossível de estimar, porque vai depender do sucesso ou do fracasso das próximas COPs, inclusive da COP30 [em Belém, em 2025]. Pode ser 2050, 2060 ou 2090 se reduzidas drasticamente as emissões.

Mas, evidentemente, esse cenário de reduzir drasticamente e rapidamente as emissões está se tornando cada vez mais longínquo.

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RAIO-X

Paulo Artaxo, 70

Graduado em física, mestre em física nuclear e doutor em física atmosférica pela USP, é professor titular do Instituto de Física da USP. É também membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).