BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Herman Benjamin, disse que juízes brasileiros estão sob assédio permanente e que, de uma maneira geral, estão perdendo um pouco a cautela em relação a restrições da legislação.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Benjamin afirma que uma multidão de novos amigos costuma surgir “do nada” quando juízes assumem o cargo, com interesses ilegítimos. Ele acrescenta que é preciso distinguir o amigo do juiz do amigo da pessoa que é o juiz.

“De uma maneira geral, e aqui eu não particularizo, acho os juízes estão, até por conta das mídias sociais e do assédio permanente dos chamados novos amigos que surgem do nada, perdendo um pouco a cautela no que se refere a restrições, algumas escritas na lei, e outras derivadas do bom senso”, disse.

Ele ainda afirma que o juiz brasileiro está muito vulnerável a esse tipo de aproximação. No passado recente, diz, o magistrado frequentava clubes e associações da carreira e seu ciclo de amizades era muito limitado.

“Hoje, há um assédio permanente de gente, e isso acaba prejudicando. De gente interesseira que tem outros interesses legítimos ou ilegítimos, que precisa de favores, de decisões que seriam incompatíveis com a legislação. Tudo isso é o risco que está no entorno dos magistrados brasileiros”, disse.

Para o ministro, é preciso fazer atualizações na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que regulamenta o Poder Judiciário. Ele cita como exemplo o artigo 35 da norma, que diz que o magistrado deve manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, mas sem especificar.

“É possível que comportamentos que eram considerados repreensíveis na década de 60, por exemplo, a mulher separada -não era nem divorciada– e que hoje não são mais. E condutas que não eram repreensíveis na década de 60, por exemplo o nepotismo. Hoje é conduta absolutamente repreensível.”

Apesar disso, ele afirma que a Loman é muito avançada quando comparada com legislação similar de outros países, mas que tem pontualmente aspectos que poderiam ser aprimorados. Segundo ele, isso poderia ser feito na própria lei, ou por meio de normativa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

“O CNJ aprovou o Código de Ética da Magistratura e lá temos uma série de condutas especificamente repreensíveis. Mas é um esforço permanente, porque a sociedade e os seus valores mudam, as expectativas em relação aos seus juízes se alteram, e nós temos que nos adaptar. O juiz não vive isolado, ele serve e é pago pela sociedade”, disse.

Questionado sobre como avalia a pena máxima administrativa aplicada a juízes pela Loman, de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ele afirma que um dos defeitos da lei é o sistema punitivo para o juiz.

Para o ministro, os juízes não precisam de benefícios e exceções, “mas de prerrogativas de proteção”.

“O juiz precisa de prerrogativas para defender o exercício da jurisdição, mas não de benefícios, de exceções, ao regime que é aplicado aos cidadãos como um todo. O nosso patrão é a sociedade, e a magistratura tem que prestar contas, mesmo de atos que nos envergonham”, afirmou.

O ministro também criticou a figura dos juízes influencers, que usam as redes sociais para promover os seus trabalhos. Ele considera isso uma contradição. Para ele, juiz de fato influencia “com suas decisões nos autos, lições nos livros que escreve ou com seus ensinamentos em sala de aula”.

“Respeito quem pensa de forma contrária, mas entendo que é incompatível com a magistratura o exibicionismo, a procura permanente por protagonismo fora das áreas de especialidade e a monetarização da posição de juiz”, disse.

O ministro também comentou sobre as indicações feitas por padrinhos políticos ou ministros para vagas abertas no STJ. Ele afirmou que, em países europeus, a escolha dos ministros das cortes superiores se dá por divisão entre os partidos políticos. No Brasil, o STJ elabora uma lista tríplice, com a seleção final do presidente da República.

Ele destaca ainda que a escolha deve ser feita de forma criteriosa, o que implica a preocupação, não só com a ética, carreira e história dos candidatos, mas com questões como o gênero e raça e a representação das minorias. “O STJ será um tribunal manco se não tiver a cara da sociedade brasileira”, disse.