SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A geração de energia a carvão no Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Capivari de Baixo, Santa Catarina, está com os dias contados se as empresas envolvidas com a indústria carbonífera na região não fizerem nada para zerar suas emissões de gás carbônico.
O carvão é a fonte de energia mais suja que existe. Por isso, a lei federal nº 14.299, de janeiro de 2022, criou o Programa de Transição Energética Justa, que prevê um período de adaptação até 2040, quando a atividade de geração termelétrica a carvão mineral com emissão de carbono terá que ser descontinuada na região.
Se isso acontecer, há uma preocupação local com o encerramento de empregos e a redução de arrecadação de 15 municípios do sul catarinense que dependem de atividades ligadas ao carvão.
Segundo a ABCS (Associação Brasileira de Carbono Sustentável), as atividades de mineração, transporte ferroviário, usina térmica e indústria do cimento (que usa a cinza seca do carvão) empregam direta e indiretamente 21 mil pessoas no sul catarinense, e a cadeia produtiva do mineral representa 0,49% do PIB (Produto Interno Bruto) de todo o estado.
Cientes da necessidade de se adaptar à transição energética, empresas do setor investem em uma tecnologia própria para fazer a captura e injeção no solo do carbono emitido com a atividade. E a solução vem do próprio carvão.
“Ao contrário do que muitos imaginam, carvão não é passado. Dos resíduos do carvão hoje já se fabrica cimento. Pesquisas avançadas em alguns países, como na China, estão desenvolvendo fertilizantes a partir das termelétricas do carvão. Sua gaseificação, em um processo que já está em curso na Austrália e no Japão, permite também a fabricação do hidrogênio azul, um dos combustíveis do futuro”, diz o engenheiro Fernando Luiz Zancan, presidente da ABCS.
A Eneva e a Diamante Energia, dona do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, estão utilizando os recursos que precisam investir em pesquisa e desenvolvimento, conforme exigência da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), para o desenvolvimento e ampliação de uma tecnologia que poderá no futuro transformar a cinza leve do carvão em zeólitas sintéticas para fazer captura de carbono.
Zeólitas são minerais compostos majoritariamente por silício e alumínio (aluminossilicatos). Sua estrutura porosa e com cavidades interconectadas permite uma série de aplicações na indústria como adsorventes (que fixam moléculas em sua superfície).
Por possuírem área superficial alta, poros e capacidade de troca iônica, são muito aplicadas como catalisadores (aceleradores de processos industriais), para tratamento de efluentes e produção de detergentes e fertilizantes de solo.
Hoje a China é a maior produtora do mundo de zeólitas minerais, seguida por Coreia do Sul, Nova Zelândia, Estados Unidos, Turquia, Cuba e Jordânia, nessa ordem. Já a América do Sul depende da importação para obter o recurso.
Mas um experimento desenvolvido desde 2022 no centro tecnológico e de ensino SATC, localizado em Criciúma (SC), produz zeólitas sintéticas a partir da cinza leve do carvão para a captura de CO2.
Duas plantas piloto de produção de zeólitas e de captura de carbono com investimento total de R$ 5,4 milhões e R$ 18,8 milhões, respectivamente, foram financiadas pela Diamante Energia e pela Eneva. É o único projeto no mundo que pesquisa a produção desse material para a captura de carbono.
Além disso, a Repsol Sinopec Brasil também investiu R$ 4 milhões em um projeto no local de adsorventes de CO2 do ar.
Apesar de já existirem tecnologias de captura e armazenamento de carbono no Brasil, com a Petrobras liderando esse mercado no país e sendo uma das maiores do mundo, ela é muito cara e pode elevar o custo da geração de energia.
As tecnologias atuais de captura de carbono podem aumentar o custo de geração em 80%, com uma taxa aproximada de US$ 60 (R$ 342) por tonelada de CO2, segundo a SATC. Já as novas tecnologias, como as zeólitas sintéticas, têm potencial de reduzir esse valor para US$ 30 (R$ 171) por tonelada até 2028, segundo estudos desenvolvidos em diversos países.
O objetivo é que o projeto resulte em uma tecnologia capaz de ser utilizada em larga escala, não apenas para a captura de carbono das usinas termelétricas a carvão do complexo Jorge Lacerda, mas também para outras térmicas e até mesmo outras indústrias que emitem gás carbônico.
“A ideia é testar não somente em Santa Catarina, mas também em outras usinas. E a tecnologia pode ser testada em outras indústrias, como de cimento, siderúrgica, de refratários e até mesmo de térmicas com biomassa para atingir emissões negativas”, diz Thiago Aquino, pesquisador e líder no núcleo de Energia e Síntese de Produtos da SATC.
O projeto agora está na segunda fase e, até junho de 2025, serão realizados todos os testes com o foco de capturar 30% de gás carbônico emitido em usinas termelétricas a carvão e a gás natural. Na primeira fase, foi possível atingir até 50%. Em caso de sucesso ao final dos testes, a próxima fase será testar a tecnologia em uma das usinas da Eneva.
Segundo Aquino, a produção das zeólitas a partir das próprias cinzas de carvão deve reduzir significativamente os custos de produção desse material, por ser um resíduo de baixo custo e que vem da própria usina.
CENTRO TECNOLÓGICO COMEÇOU COMO ASSISTÊNCIA MÉDICA
Criada em 1959, a SATC (Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão) surgiu com investimento das carvoarias da região para ser um centro de assistência médico-farmacêutica para os trabalhadores. Com o tempo, o local passou a oferecer ensino gratuito com internato para os filhos dos funcionários dessas empresas.
Hoje, a SATC é um centro tecnológico e de ensino e, além da pesquisa de captura de carbono com as zeólitas, a instituição oferece desde ensino básico a crianças e adolescentes até cursos técnicos e universitários. Lá também há uma incubadora de startups, com apoio a projetos inovadores de empresas.
“A escola nasceu de um setor empresarial, ou seja, ela já veio com uma cultura um pouco diferente, de trabalhar muito por resultado. Isso nos conecta melhor com o mundo empresarial”, diz Carlos Antônio Ferreira, reitor da SATC.
Ele acrescenta que, pelo fato de ter vindo de um setor que agora passa por uma transformação, isso também influencia positivamente nas atividades do local.
“Nascemos do setor carbonífero, que demanda muita inovação e tecnologia, e que passa por um momento de transformação muito singular e isso exige que se construa novos conhecimentos. O centro tecnológico nasceu dessa necessidade. Tivemos que desenvolver tecnologias para recuperação ambiental”, afirma.
Um exemplo de recuperação ambiental desenvolvida a partir de compostos do carvão foi o parque Diamante +Energia, que oferece uma série de atividades gratuitas para crianças e adolescentes, além de servir como espaço de lazer para toda a população da região.
Antes, o local servia como depósito de cinzas de carvão. Usando a própria matéria-prima foi possível beneficiar o solo para que a natureza fosse reconstituída no local.
Segundo Ferreira, a SATC tem hoje cerca de 4.500 estudantes, sendo 2.500 no ensino básico e aproximadamente 2.000 alunos no ensino superior. “A origem da SATC está na indústria carbonífera, mas ela ajudou a construir uma série de outras áreas na nossa região”, diz.
A repórter viajou a convite da Diamante Energia, responsável pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda