RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Polícia Civil formalizou a apuração sobre o suposto crime de terrorismo praticado por Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, líder do TCP (Terceiro Comando Puro) no Rio de Janeiro e fundador do Complexo de Israel, na zona norte da cidade.

Peixão, autointitulado traficante evangélico, teria ordenado que seus subordinados atirassem na população para tentar fugir de um cerco policial, segundo informações de inteligência policial surgidas após a operação que deixou seis pessoas baleadas -três morreram- nesta quinta-feira (24). A reportagem não localizou defesa registrada no Tribunal de Justiça nos processos que estão sem sigilo.

Um dos baleados é um suspeito de tráfico que foi detido após atirar granadas contra pessoas que estavam em uma das rodovias perto da Cidade Alta, segundo relato de dois policiais que estavam em uma ambulância, a qual também foi alvo de tiros.

Na justificativa para a tipificação, à qual a reportagem teve acesso, os investigadores afirmaram que a ação, que deixou seis baleados, sendo três mortos, em um raio de quatro quilômetros, “se configura como ato de terrorismo, na medida em que os criminosos da mencionada facção praticaram diversos atos de destruição”.

A polícia exemplifica as ações, como “provocar incêndios nas imediações da comunidade; realizar disparos com armas de fogo de alto potencial lesivo sem direção determinada, com a finalidade de causar pânico na população e desordem social; interromper o transporte público e vias públicas, impedindo a população de se deslocar e mantendo-a em situação de terror e pânico social”.

Além disso, os investigadores ressaltaram que Peixão tem como finalidade o lucro com o tráfico e a imposição de uma religião. “A referida facção tem como objetivo auferir lucros com as atividades criminosas praticadas no local, bem como impor uma dominação religiosa na localidade, impedindo que a população local tenha o direito de manifestar ideologia religiosa diversa da que o líder da facção é seguidor”.

Em coletiva, o governador Cláudio Castro (PL) já havia classificado como terrorismo a ação que paralisou a zona norte e impactou a Baixada Fluminense por cerca de três horas. A pena prevista para o crime é de 12 a 30 anos de prisão.

Quem é Peixão

Peixão fundou o Complexo de Israel em 2021, durante a pandemia de Covid-19, aproveitando a ausência de operações policiais nas favelas. Após tomar territórios do Comando Vermelho, ele uniu as comunidades com pontes, sendo a maior sobre o rio Pavuna. As obras facilitaram o deslocamento de seus comparsas, que se autodenominam Tropa do Arão -o nome que Peixão escolheu após se batizar como evangélico.

No Antigo Testamento da Bíblia, Arão é descrito o como o irmão mais velho de Moisés e desempenhou um papel fundamental na liderança do povo de Israel durante o período do Êxodo, quando os israelitas foram libertados da escravidão no Egito.

Em Parada de Lucas, o traficante ergueu dois espaços de luxo. Em um deles, há um grafite de 10 metros de altura com a frase: “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”. A mesma imagem conta com uma representação da favela e, ao fundo, o Domo da Rocha, local sagrado em Jerusalém. Em primeiro plano, homens vestindo uniformes militares com a bandeira de Israel.

Nesse mesmo local, a polícia encontrou equipamentos de sadomasoquismo; ao lado, bíblias.

Já em outra residência, com praia particular e lago artificial, há também um campo de futebol, piscina, sauna e área para churrasco. Neste ano, mesmo após a polícia ter ido ao local, o traficante realizou uma obra: ergueu uma espécie de montanha. Segundo os investigadores, seria um monte de oração.

A religião não é algo particular ao traficante, que tem 131 registros de ocorrências em seu nome e condenações por homicídio e tráfico. Ele expulsou das favelas, que abrigam 134 mil moradores, pessoas com religiões diferentes da sua, como umbandistas.

Neste ano, circularam informações de que ele proibiu festas juninas em igrejas católicas, mas a arquidiocese negou.

O primeiro registro em seu nome data de 2012: o homicídio de dois homens, em Parada de Lucas. Ele cobrava comerciantes, além de taxas de aluguel e de festas de moradores, em práticas típicas de milicianos.

Além disso, casos de desaparecimento são frequentes na região. Um deles é o de Stanley Pinheiro Fernandes Leite, 19, que desapareceu após entrar por engano no Complexo de Israel. De acordo com dois amigos que estavam com ele, o trio foi extorquido e torturado por traficantes locais.

Os jovens contaram à polícia que foram liberados após terem os braços quebrados, mas Stanley, por ser morador de uma comunidade rival, foi detido pelos agressores.

O Complexo de Israel é formado pelas favelas Parada de Lucas, Cidade Alta, Vigário Geral, Cinco Bocas e Pica-Pau e é próximo a vias importantes da cidade, como Linha Vermelha, Washington Luís e Avenida Brasil.