BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma nota da Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência da República explicitou as resistências no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às medidas de corte de gastos que envolvem alterações em regras de benefícios sociais.

A Secom tratou como informações falsas notícias divulgadas pela imprensa a respeito de estudos sobre mudanças na multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) em caso de demissão sem justa causa e no pagamento do seguro-desemprego.

O seguro-desemprego é um dos focos principais de estudos da revisão de gastos, como revelou a Folha de S.Paulo. Uma das propostas prevê descontar das parcelas do benefício o valor da multa sobre o FGTS, pago pelos empregadores ao funcionário demitido.

A avaliação é que, quanto maior o salário do trabalhador, maior tende a ser seu saldo no fundo de garantia e, consequentemente, o valor da multa -que seria abatido das parcelas, segundo a proposta.

Aplicar essa lógica para todos os trabalhadores teria um impacto significativo para as contas públicas, mas enfrentaria maior resistência política. Há também a proposta de limitar a concessão do seguro-desemprego para quem recebe até dois salários mínimos.

A alteração nas regras do seguro-desemprego é uma das principais apostas na lista de medidas dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) para cortar gastos e afastar a crise de credibilidade fiscal do governo Lula, que tem levado ao aumento dos juros futuros e do dólar.

“Ambos são direitos que os trabalhadores possuem nos casos de demissões sem justa causa e são instrumentos de proteção social com previsão legal e constitucional”, diz o documento da Secom, que assessora diretamente o presidente Lula.

O comunicado foi recebido pela área econômica como um sinal de que as resistências dentro do governo e no PT estão crescendo à medida que uma decisão do presidente se aproxima.

Essa é uma das razões para orientação dada por Haddad e Tebet a auxiliares de não comentar nos bastidores o conteúdo das medidas da lista em estudo. Haddad prometeu esse pacote para depois do segundo turno das eleições municipais.

Havia uma expectativa em torno de Lula aceitar as alterações no seguro-desemprego, tidas pelo ministérios da Fazenda até então como a proposta com maior chance de aprovação pelo presidente e com impacto elevado na redução das despesas.

Um integrante da área econômica disse à reportagem que a manifestação do Palácio do Planalto representou um banho de água fria, porque restringiu as opções do governo de apresentar soluções de maior impacto fiscal.

Técnicos da área relatam também que o Ministério do Trabalho e Emprego, comandado por Luiz Marinho (PT), tem feito pressão contra as medidas. Eles enxergam influência de Marinho no conteúdo da nota da Secom, que retraria o pensamento da pasta.

Dependendo do aval de Lula, as alterações propostas poderiam ser bem relevantes, entre R$ R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. Lula já descartou mudanças na regra que vincula os benefícios da Previdência Social ao salário mínimo e deu sinais de que não quer alterações nos pisos constitucionais de saúde e educação. O presidente tem repetido que recursos destinados para as duas áreas são investimentos, não gastos.

Pesou na divulgação da nota da Secom a veiculação, nas redes sociais, de notícias falsas de que o governo Lula acabaria com a multa de 40% sobre o saldo do FGTS em caso de missão sem justa causa. O tema é considerável sensível e pode impactar na popularidade do presidente, segundo auxiliares.

Chamou a atenção dos analistas do mercado financeiro, que acompanham as contas públicas, a referência na nota da Secom ao fato de que pagamentos do seguro-desemprego e da multa rescisória ao trabalhador demitido sem justa causa não resultariam em “sobreposição de benefícios”.

Esse ponto tem sido citado por integrantes da área econômica justamente como uma justificativa para as alterações. “A multa em caso de demissão sem justa causa é uma indenização prevista na lei do FGTS paga pelo empregador. Não se trata de um acúmulo de benefícios, mas sim do exercício de dois direitos diferentes: um custeado pelo Estado e outro pelo empregador”, diz a nota da Secom.

A Secom reforçou em outro trecho do documento que a revisão de gastos incita teses sem sustentação teórica ou prática; e que o governo adota medidas focadas naqueles benefícios concedidos a pessoas que não têm direito a esses pagamentos do governo: “Quem de fato precisar dos benefícios, não será alvo de controle. O Ministério do Trabalho e Emprego já toma medidas para evitar fraudes e recebimentos indevidos do seguro-desemprego.”

A leitura dos analistas do mercado financeiro nesta quarta-feira (23) é que esse trecho sinaliza a baixa disposição de enfrentar medidas estruturais de corte de despesas pelo governo.