Análise do cenário em Goiânia
Nos últimos 20 anos, Goiânia tem observado um aumento alarmante na abstenção eleitoral, especialmente nas eleições do segundo turno. Esse fenômeno é motivo de preocupação para especialistas, já que a crescente quantidade de eleitores ausentes ameaça a legitimidade do processo democrático e a representatividade dos escolhidos. Desde 2004, a abstenção no segundo turno tem superado a do primeiro, evidenciando uma desmotivação crescente entre os eleitores.
Nas eleições de 2020, esse problema atingiu um novo patamar, com 36,75% de abstenção no segundo turno. Mais de 356 mil eleitores não compareceram às urnas, um número bem acima da média nacional de 29%, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A tendência de abstenção em Goiânia se consolidou, pois no primeiro turno daquele ano a ausência foi de 30,72%. A disputa, que resultou na vitória de Maguito Vilela (MDB) com 52,60% dos votos válidos, ocorreu em meio à pandemia de covid-19, um fator que provavelmente impactou a participação do público. Contudo, a desmotivação já era visível em eleições anteriores.
No segundo turno, Maguito venceu Vanderlan Cardoso (PSD) com 277.497 votos, enquanto seu adversário recebeu 250.036, correspondendo a 47,40% dos votos válidos. Foram apurados 614.272 votos, com 527.533 válidos e 356.949 ausentes, tornando esse segundo turno de 2020 o que registrou a maior abstenção na história das eleições municipais de Goiânia.
Evolução da abstenção nas eleições municipais
A análise da evolução da abstenção em Goiânia revela uma mudança significativa no comportamento dos eleitores, que demonstram crescente insatisfação com as opções políticas e um desinteresse em participar do processo eleitoral. Esse descontentamento se intensifica no segundo turno, quando muitos que votaram em candidatos eliminados no primeiro preferem não comparecer.
Em 2004, por exemplo, a abstenção no segundo turno foi de 19,26%, superando os 15,35% do primeiro turno. Naquela ocasião, Iris Rezende (MDB) venceu Pedro Wilson (PT) com 56,71% dos votos válidos, já indicando uma tendência de aumento da abstenção nas eleições seguintes.
Em 2008 e 2012, não houve segundo turno, pois Iris Rezende e Paulo Garcia (PT) venceram no primeiro turno. No entanto, em 2016, quando Iris foi eleito pela quarta vez, a abstenção saltou de 20,83% no primeiro turno para 24,09% no segundo.
Um fato curioso ocorreu nas eleições de 2016, quando o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e o ex-prefeito Paulo Garcia tentaram mudar o feriado do Dia do Servidor Público para evitar um êxodo de eleitores durante o segundo turno. No entanto, essa estratégia não teve sucesso, e mais de 230 mil eleitores deixaram de votar.
Comparação da abstenção de 2004 a 2024
Os dados abaixo mostram a evolução da abstenção nas eleições municipais de Goiânia, do segundo turno de 2004 até o primeiro turno de 2024, evidenciando uma tendência de crescimento ao longo dos anos:
Ano da eleição | Abstenção 1º Turno (%) | Nominal 1º Turno | Abstenção 2º Turno (%) | Nominal 2º Turno |
---|---|---|---|---|
2004 | 15,35% | 121.443 | 19,26% | 152.348 |
2008 | Não teve segundo turno | – | Não teve segundo turno | – |
2012 | Não teve segundo turno | – | Não teve segundo turno | – |
2016 | 20,83% | 199.407 | 24,09% | 230.555 |
2020 | 30,72% | 298.362 | 36,75% | 356.949 |
2024 | 28,23% | 290.754 | Não realizado | – |
Em 2024, o primeiro turno registrou uma abstenção de 28,23%, com 290.754 eleitores ausentes, seguindo a tendência dos pleitos anteriores. Caso haja segundo turno, especialistas acreditam que a abstenção pode ser ainda maior, repetindo os cenários de 2020 e 2016.
Fatores que contribuem para a abstenção
O professor de Direito Eleitoral Luiz Almeida aponta que a abstenção em Goiânia é influenciada por uma combinação de fatores políticos e sociais.
“A desmotivação do eleitor é evidente na diferença entre os turnos. Muitos que não veem seus candidatos no segundo turno acabam não se sentindo representados. Fatores externos, como feriados e a pandemia, também afetam a participação”, explica Almeida.
Ele destaca que, em 2020, a pandemia foi crucial para o aumento da abstenção, especialmente entre os eleitores mais velhos, que pertenciam ao grupo de risco. “A necessidade de distanciamento social levou muitos a optar por não votar, mesmo com medidas de segurança.”
A cientista política Mariana Gomes complementa que a abstenção em Goiânia é um fenômeno multifatorial. “Não se pode apontar uma única causa. Há um desinteresse político crescente, desilusão com candidatos e fatores externos, como feriados e a geografia da cidade.”
Goiânia, sendo uma metrópole, apresenta desafios logísticos para os eleitores, o que pode desestimular aqueles que já estão insatisfeitos. Mariana também observa que as tentativas políticas de reduzir a abstenção nem sempre têm sucesso, como evidenciado pelas eleições de 2016.
Impacto da abstenção na democracia
A crescente abstenção em Goiânia levanta questões sobre a representatividade e legitimidade dos candidatos eleitos. Segundo o professor Luiz Almeida, essa é uma das maiores dificuldades enfrentadas pela democracia atual.
“A participação eleitoral é fundamental para garantir que os eleitos representem verdadeiramente a vontade da maioria. Quando a abstenção é alta, muitos se sentem excluídos do processo, o que mina a confiança no sistema”, analisa.
Diante desse quadro, é essencial que candidatos e partidos compreendam as razões da apatia eleitoral e busquem formas eficazes de engajar o público, promovendo campanhas inclusivas e um diálogo mais aberto.
“Se nada for feito, a legitimidade da democracia pode ser comprometida”, conclui Almeida.