RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Alvo de críticas pela oração pelos elogios ao presidente Lula (PT) no Palácio do Planalto, o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) afirma que cumpriu seu papel como pastor.

“Não quero que o presidente Lula veja a igreja como inimiga, adversária dele. Mas veja como crítica. Mas nós não vamos deixar de cumprir o nosso papel, que é de interceder, e de orar, pedir a Deus que possa abençoá-lo”, afirmou.

Otoni afirma que as críticas feitas por pastores —sendo um deles Silas Malafaia— ocorrem porque “a igreja foi sequestrada por um pensamento político”. “Isto está desvirtuando o papel central da igreja.”

O emedebista afirma que, apesar do simbolismo do evento de terça-feira (16), há limites intransponíveis para a reaproximação de Lula com o segmento evangélico.

“O presidente Lula se perde nas pautas identitárias, no progressismo exacerbado do PT”, diz ele.

Três anos após ser alvo de busca determinada por Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ele diz que também oraria pelo ministro do tribunal. “Não posso guardar mágoa nem ódio no meu coração.”

*

PERGUNTA – O sr. esperava essa reação?

OTONI DE PAULA – Com certeza. Até porque a igreja foi sequestrada por um pensamento político. Um dia já fiz parte disso. Mas entendi que isto está desvirtuando o papel central da igreja.

P – Quando o sr. entendeu isso?

OP – A partir do momento em que eu comecei a perceber que nem tudo o que este movimento da direita ou da extrema direita propaga como verdadeiro se vive nos bastidores.

P – Em 2022, o sr. fez campanha em igrejas expondo ligações do [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Também não é um uso político?

OP – Eu não sou contra que a igreja participe do pleito eleitoral ouvindo esses candidatos, não é disso que se trata. A minha crítica é quando a igreja se desliga do seu propósito. Por exemplo, eu estou recebendo críticas de pastores porque eu orei pelo Lula. Meu Deus, a gente está em que mundo? A gente perdeu o propósito de existência enquanto comunidade da fé.

P – O sr. não está sendo criticado pelos elogios às políticas sociais do Lula?

OP – Também. Eu não chamo de elogio. Chamo de reconhecimento. Quero que alguém diga que o que eu falei não é verdade. Quis falar ali também que a igreja não é inimiga dele. Podemos não concordar com a política dele, com a macrovisão dele de mundo, com as alianças que ele faz, mas nós estamos orando por ele. Não quero que o presidente Lula veja a igreja como inimiga, adversária dele. Mas veja como crítica. Mas nós não vamos deixar de cumprir o nosso papel, que é de interceder, e de orar, pedir a Deus que possa abençoá-lo.

P – O sr. acha que o presidente Lula está tão distante dos evangélicos como se fala?

OP – O presidente Lula se perde nas pautas identitárias, no progressismo exacerbado do PT. Ele acaba sendo levado por essa pauta e cometendo o mesmo erro que Bolsonaro cometeu, que é de continuar falando e alimentando a sua bolha partidária. Com isso, ele vai criando um abismo tão grande entre ele e a comunidade evangélica, que, por mais que ele tente fazer algum tipo de sinalização, esse movimento não surte efeito, por conta desses movimentos pautados pelo PT.

P – Mas o problema é o PT ou o Lula?

OP – Pautados pelo PT. Por exemplo, o presidente Lula, durante a campanha eleitoral, fez uma carta ao povo evangélico, dizendo-se praticamente um conservador, contra o aborto. Mas permite que esta pauta seja tratada no seu governo.

Não vejo, por exemplo, a sanção a esse projeto de lei [Dia Nacional da Música Gospel] como um gesto do presidente Lula à comunidade evangélica. Poderíamos ter feito um grande culto, com hinos e tal, no Palácio do Planalto. Isso não foi feito. O convite nos chegou de última hora.

Tanto que o presidente da frente parlamentar, o deputado Silas Câmara, que mora lá no Amazonas, pediu para que eu lhe representasse. Nem sequer o autor do projeto recebeu o convite a tempo de estar presente.

O presidente Lula criou um certo receio de que qualquer tentativa dele de se aproximar da comunidade evangélica seja vista como uma tentativa de usar a igreja politicamente. A gente percebe ele cauteloso nisso.

P – Esse distanciamento do Lula com os evangélicos não tem solução?

OP – Eu acho muito difícil, porque há uma desconfiança muito clara consolidada na maioria dos evangélicos quer sobre Lula, quer sobre o PT. Não vejo a possibilidade nessa próxima eleição de algum tipo de proximidade maior. Acho que ele vai continuar atraindo aqueles 20%, 30% em algumas regiões. Nordeste, por exemplo, Lula chegou a ter, em alguns estados, quase 40% do voto da igreja.

P – O sr. já ameaçou receber o presidente Lula a tiro, chamou Alexandre de Moraes de tirano e canalha. O sr. se arrepende dessas ofensas?

OP – Eu me arrependo. Poderia falar tudo que eu falei, mas sem usar a linguagem que eu usei. Não me arrependo das críticas. Eu me arrependo da falta de elegância cristã na fala.

P – Essa mudança é uma preocupação com os processos no STF?

OP – Não. É uma introspectiva que cada ser humano pode fazer na vida, de fazer uma autocrítica ou uma autoanálise. Entendi que, embora eu tenha consciência de que prestei um serviço à minha nação, a igreja estava perdendo a sua essência enquanto missão e se tornando partidária política.

P – O sr. oraria para Alexandre de Moraes também?

OP – Eu oro aqui no meu íntimo e, se ele quiser me chamar para fazer essa oração pública por ele, eu faço também, com muito prazer. Não posso guardar mágoa nem ódio no meu coração. Espero que ele também não.

P – O sr. se considera um ex-bolsonarista?

OP – Eu sou um ex-bolsonarista, porém continuo sendo um deputado de direita e conservador. O conservadorismo e a direita em si vem antes do bolsonarismo. Respeito o ex-presidente Bolsonaro, não tenho absolutamente nada contra a sua pessoa. Desconheço até hoje um outro político que tenha tido tantas boas intenções com o Brasil do que Bolsonaro. Mas eu entendo que eu não caibo dentro do bolsonarismo, porque ele não está aberto a uma autocrítica. Para que você seja bolsonarista, precisa concordar com tudo que Bolsonaro diz e pensa. Tem que votar em quem o Bolsonaro manda. Por isso é que eu sou um ex-bolsonarista. Porque eu tenho vida própria.