BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Banco Central avaliou internamente a possibilidade de devolver diretamente para pessoas e empresas, via Pix, o dinheiro esquecido registrado no SVR (Sistema de Valores a Receber). O montante é de R$ 8,5 bilhões.

A proposta esbarrou no diagnóstico de que a legislação brasileira impõe restrições ao envio de recursos sem autorização dos beneficiários, o que travou a discussão. Outro empecilho é o fato de que a devolução cabe às próprias instituições, não diretamente ao BC.

O dinheiro esquecido será enviado ao Tesouro Nacional a partir desta quinta-feira (17). O repasse ao governo foi aprovado pelo Congresso Nacional para compensar parte da perda de arrecadação com a desoneração da folha de pagamento.

O Sistema de Valores a Receber foi implementado pelo BC em março de 2023. Ele reúne depósitos de pessoas físicas e jurídicas esquecidos em bancos, administradoras de consórcios e outras instituições.

Na última atualização divulgada pela autoridade monetária, referente a agosto, mais de 45 milhões de pessoas e empresas tinham valores a receber e poderiam pedir o saque dos recursos.

Segundo dados internos, 75% desses beneficiários possuem chaves Pix. O valor que poderia ser enviado por meio do sistema de pagamentos instantâneos seria próximo de R$ 4 bilhões –o que equivale a 46% do total disponível no SVR.

A ideia de devolver o dinheiro via Pix surgiu no ano passado, segundo dois integrantes do BC ouvidos pela Folha. Seria uma forma de garantir que pessoas que não tomaram conhecimento do sistema pudessem recuperar seus recursos.

A avaliação de técnicos do BC, porém, foi de que essa forma de devolução seria irregular.

Isso porque há risco de as contas vinculadas ao Pix estarem em posse de fraudadores, não serem mais utilizadas pelos beneficiários ou mesmo serem alvos de bloqueios judiciais. O repasse não autorizado, portanto, poderia ser judicializado.

A conclusão das discussões internas na autarquia foi de que, para viabilizar o repasse, seria necessário aprovar uma lei no Congresso Nacional para garantir segurança jurídica. Diante da burocracia e do esforço necessário, o assunto ficou empacado.

Procurado, o BC não comentou sobre a discussão interna relativa ao repasse via Pix.

A sugestão voltou a circular na instituição após o Congresso aprovar uma lei que prevê o repasse do dinheiro esquecido em contas bancárias para reforçar o caixa do Tesouro.

A medida seria uma forma de compensar a perda de arrecadação da União com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. Parlamentares críticos à proposta dizem que o envio dos valores ao governo seria semelhante a um confisco.

“É mais do que confisco, é apropriação indébita. Você não cobre déficit com dinheiro dos outros”, disse o senador Flávio Azevedo (PL-RN).

Ele apresentou no fim de setembro um projeto de lei para permitir a devolução do dinheiro para as pessoas. O texto define que os recursos serão repassados “por meio de arranjo de pagamentos instantâneos instituído pelo Banco Central do Brasil (Pix), em qualquer conta ativa, independente de solicitação”.

“Propomos sanar essa clara distorção metodológica e devolver os recursos aos seus efetivos donos. Ou seja, que a ferramenta Pix possa ser utilizada para a correta devolução dos recursos”, disse o senador ao justificar a proposta.

O Ministério da Fazenda nega a comparação. “Esses recursos se referem a valores que cidadãos e empresas deixaram sem movimentação ou atualização, e, além disso, não foram objeto de reclamação […] em algum banco, consórcio ou outra instituição. Logo, não há que se falar em confisco”, disse a pasta, em nota.

Pelas regras vigentes, os donos do dinheiro esquecido tiveram 30 dias para fazer o saque por meio do SVR —prazo que se encerrou nesta quinta. Após o envio do dinheiro ao Tesouro, o beneficiário tem outros 30 dias para pedir a devolução dos valores.

“Há, ainda, um prazo de seis meses para requerer judicialmente o reconhecimento do direito aos depósitos, cuja contagem só se inicia após a publicação do edital pelo Ministério da Fazenda”, afirmou a pasta.

Em um primeiro momento, o governo terá acesso apenas a uma parcela do montante de R$ 8,5 bilhões. A outra fatia só será liberada quando houver ajuste de redação no texto da lei sancionada no mês passado.

Um artigo da lei se refere aos valores como “recursos existentes nas contas de depósitos, sob qualquer título, cujos cadastros não foram objeto de atualização”. No entanto, a resolução do BC que institui o SVR —publicada em 2021— trata majoritariamente de recursos relativos a contas de pessoas físicas e jurídicas encerradas, mas com saldo disponível. Em nenhum momento faz referência a contas “desatualizadas”.

A Fazenda chegou a cogitar o envio de uma MP (Medida Provisória) para corrigir os termos utilizados e, assim, assegurar que o dinheiro registrado no SVR possa ser transferido como receita para o Tesouro. Segundo um interlocutor da equipe econômica, essa opção foi descartada.

A ideia do governo é que o erro de redação seja corrigido pelo próprio Congresso Nacional.

O impasse em torno da prorrogação da desoneração da folha se arrastou durante mais de um ano com embates duros entre o Congresso e o Executivo. Ao longo da negociação, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que caberia ao Senado encontrar uma solução para o problema e que a pasta daria suporte técnico quando solicitada.