SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A última vez que Liam Payne se apresentou no Brasil foi numa festa de 15 anos de uma jovem em Goiânia, de família milionária, em novembro de 2021. Ele se apresentaria no ano passado, no The Town, em São Paulo, mas teve de cancelar o show após uma infecção renal.

Nesta quarta, o ex-One Direction, de 31 anos, foi encontrado morto em um hotel em Buenos Aires, sem ter conseguido concretizar seu sonho –solidificar uma carreira solo da mesma forma que outros companheiros da maior boy band da década passada, a exemplo de Harry Styles.

Sua estada na capital argentina foi cercada de polêmicas após ele ter ido a um show do seu ex-colega, Niall Horan, e tentou roubar a atenção acenando para as fãs na plateia. Tal atitude desencadeou uma série de postagens de uma ex-namorada, revelando supostos podres do seu passado, seguida de uma onda de cancelamento.

Fãs brasileiros do britânico já haviam se espantado, três anos atrás, com seu trabalho naquela festa de debutante para dezenas de adolescentes, no qual cantou abraçado à aniversariante num pequeno palco, em frente a uma projeção de fotografias da debutante.

O cenário íntimo, e até um pouco decadente, era oposto aos renomados estádios nos quais fez shows pelo mundo como parte do One Direction. Durante a passagem pelo Brasil com a turnê mundial “Where We Are”, em 2014, o grupo com Payne, Styles, Horan, Louis Tomlinson e Zayn Malik reuniu mais de 60 mil pessoas no Morumbi, em São Paulo, e cerca de 40 mil no parque dos Atletas, no Rio de Janeiro.

Dois anos depois, a banda entraria num hiato, pouco tempo após a saída de Zayn Malik. E o mesmo grupo que deu toda a projeção a Payne foi, também, o que tanto o atormentou nesses últimos anos, resultando num histórico de sumiços e polêmicas que culminaram numa reabilitação de vários meses por problemas com drogas e álcool que, segundo ele, teriam começado durante o sucesso da banda.

O The Town teria sido a oportunidade para que ele arriscasse novamente numa apresentação para o grande público –ainda mais no Brasil, um dos principais redutos de fãs da boy band.

Na ocasião, planejava trazer seu único lançamento da carreira solo, de 2019, no mesmo evento que reuniu nomes como Post Malone e Bruno Mars. O trabalho combina pop e EDM e se destaca por alguns hits dançantes como “Strip That Down”, “Familiar” e “Get Low”.

A recepção da crítica na época foi ruim, com resenhas de veículos internacionais definindo o álbum como insosso, sem novidade ou carisma. O cantor até recebeu acusações de machismo e bifobia por causa das letras. Até o fim da vida, tentou se agarrar aos fãs que conquistou como parte da boy band.

Payne, na verdade, sempre quis ser uma estrela solo. Entrou na indústria da música mais cedo que outros integrantes do One Direction, e participou repetidas vezes do reality show The X Factor, dedicado à revelação de calouros.

Na primeira ocasião, em 2008, foi desclassificado, mas o produtor Simon Cowell, um dos jurados do programa, sugeriu que ele retornasse quando estivesse mais velho.

Na segunda vez, em 2010, mesmo após cantar “Cry Me a River” e encantar a bancada composta por Cowell, o empresário Louis Walsh e a cantora Cheryl Cole, o garoto de 16 anos nascido em Wolverhampton foi novamente eliminado da competição.

A terceira chance no reality veio quando, por escolha e intuição dos jurados, ele foi reunido em uma banda com outros quatro jovens competidores.

Ao relembrar a gênese do grupo, Payne afirmou num podcast, em 2022, que ele era “o membro honorário” da banda, já que ela teria surgido a partir de uma promessa de Cowell para projetar seu talento.

Cerca de um mês depois de contar essa história, o cantor foi indiretamente desmentido pelo próprio The X Factor. Em um breve vídeo de arquivo, em homenagem aos 12 anos da finada banda, os jurados seguram fotos de todos os candidatos na categoria masculina e o primeiro a formar o protótipo do quinteto foi o irlandês Niall Horan, seguido de Styles, Tomlinson, só então de Payne e, por fim, Malik.

Ainda no podcast, Payne disse que se envolveu em um confronto físico e cheio de ameaças com outro integrante, mas não especificou quem era –as evidências sugerem que a contenda teria sido com Malik.

As declarações repercutiram mal e o cantor acabou pedindo desculpas e disse que precisou, enfim, se internar em uma clínica de reabilitação.

Se não foi o muso inspirador da boy band, Payne era vendido como o membro mais responsável, quase uma figura paterna que cuidava dos outros quatro garotos durante as brincadeiras nos shows e bastidores.

Em seu primeiro single solo, “Strip That Down”, ele quis romper com esse papel: “Sabe, eu já fui do One Direction, agora estou livre/ As pessoas queriam apenas uma coisa de mim, esse não sou eu”.

Mas essa tentativa de se distanciar da banda e criar uma nova persona não deu muito certo. Mesmo dividindo com Tomlinson a autoria de muitas das composições da boy band, incluindo grandes sucessos como “Night Changes”, “Story of My Life” e “Steal My Girl”, ele não deslanchou como Harry Styles, por exemplo, que é hoje um dos maiores astros da música pop internacional.

Styles, Tomlinson e Horan já fizeram turnês mundiais como artistas solo e lançaram mais de dois discos cada um; o primeiro já ganhou três Grammye os dois outros foram jurados dos reality shows The X Factor e The Voice, respectivamente.

Ainda sobre a repercussão do podcast, Payne publicou um vídeo em seu canal do YouTube no final do ano passado, comentando seu sumiço desde a publicação do programa. Com uma harmonização facial que deixou seu queixo mais protuberante, ele afirmou que não estava se reconhecendo e que precisou tirar um tempo para se reencontrar e lidar com a frustração da carreira.

A nova imagem também dizia respeito à paternidade e em se tornar um exemplo para seu filho, Bear, de sete anos, que teve com a ex-jurada do The X Factor Cheryl Cole. No vídeo, ele citava que estava há seis meses sem beber e que começou a desenhar e pintar.

Os últimos meses seguiam agitados nas suas redes sociais –Payne abastecia com frequência seu perfil no TikTok, com mais de 5 milhões de seguidores. Além de participar de trends, investia em referências à banda, como a marca de 1 bilhão de visualizações do primeiro single “What Makes You Beautiful” e uma pintura que fez dos integrantes.

Também dizia que mantinha um contato saudável com seus ex-colegas de trabalho e que o One Direction um dia poderia se reunir novamente. Não houve tempo, afinal, para um dos jovens que encantou uma geração de adolescentes encontrar sua redenção.