TETÉ RIBEIRO

FOLHAPRESS – Sabe quando de repente parece que todo mundo está falando de uma série imperdível e dá até um pouco de preguiça só de pensar em começar? Serão horas dedicadas ao programa de TV e claro que ninguém quer ser a última pessoa sob o sol a gostar do que todo mundo gosta, né?

Pois bem, venho em nome de uma dessas pessoas, no caso eu, que deixou a curiosidade vencer essa barreira e foi muito feliz durante dez episódios de mais ou menos 20 a 25 minutos cada um.

E a segunda temporada de “Ninguém Quer” já está confirmada, então é melhor começar a ver enquanto só a primeira está disponível e em um fim de semana chuvoso dá para maratonar sem culpa.

Na trama, um jovem rabino promissor, Noah, papel de Adam Brody (“The O.C.”), termina um relacionamento sério —e devidamente apropriado para sua família, sua carreira e sua comunidade— com a namorada de anos, Rebecca, papel de Emily Arlook. Ele conhece uma agnóstica que apresenta um podcast sobre sexo e relacionamentos, Joanne, papel de Kristen Bell (“Veronica Mars”).

Os dois se apaixonam imediatamente, parecem em tudo perfeitos um para o outro, exceto por um detalhe, que, óbvio, é central para a trama. Noah é um rabino e está concorrendo ao cargo de chefe da sinagoga em que trabalha. Rabinos podem se casar, desde que seja com uma mulher judia.

Joanne nem pensa em religião, vem de uma família disfuncional e ganha a vida expondo suas intimidades em um podcast, que faz com sua irmã, e que também está prestes a conseguir um contrato com um grande produtor de podcasts.

Tanto para um quanto para o outro, o romance tem um drama fundamental: se for adiante, causa uma hecatombe profissional. Principalmente para Noah.

Essa é uma questão que milhões de casais enfrentam todos os dias, e que quase sempre é resolvida da mesma maneira. A mulher que se dane e abra mão do que fazia para ganhar dinheiro agora que conseguiu “coisa melhor”.

Mas, nesta série —que, a propósito, é quase explícita na maneira como induz o público a torcer para que Noah consiga tudo e Joanne se dê por contente por tê-lo—, o que está em volta desta questão fundamental é o que a torna atual, doce e divertida.

Noah é o garoto de ouro de sua comunidade, enquanto Joanne é quase a personificação de tudo que pode ser errado em uma mulher, pelas lentes da mãe de Noah, uma matriarca rica e tradicional que exerce uma influência esquisitíssima sobre o filho preferido.

Apesar desse desequilíbrio tão explícito entre os dois personagens principais, que certamente vem da concepção do roteiro, a química entre os dois protagonistas e a maneira como a trama se desenrola é tão gostosa e divertida que é totalmente impossível parar antes do fim.

O irmão esquisitão de Noah, Sasha, personagem do hilário Timothy Simons —o Jonah de “Veep”—, e sua mulher, Esther, interpretada por Jackie Tohn, estão perfeitos no papel de um casal com a dinâmica inversa ao do par principal. Sasha é um adolescente gigante (o ator mede 1,97m), que se recusa a crescer, e Esther, a esposa e mãe eternamente estressada, tentando fazer tudo conforme as regras da comunidade, sem muito sucesso.

A família de Joanne beira a caricatura com uma mãe carente e afeita a curas diferentonas, Lynn, papel de Stephany Faracy, e Henry, o pai gay, interpretado por Michael Hitchcock. Apenas a irmã de Joanne, Morgan, sua parceira de podcast, interpretada por Justine Lupe (“Succession”), escapa de ser um estereótipo raso. Ela é um estereótipo, não tenha ilusões, a irmã mais feia, menos inteligente, menos carismática, mas o roteiro usa espertamente esses elementos em seu favor.

E ninguém assiste a esta série para escrever uma tese acadêmica sobre o quão intrincados estão os tentáculos do machismo estrutural nas produções de Hollywood. Ou pelo menos não deveria, há outras maneiras mais efetivas de comprovar essa realidade.

E “Ninguém Quer” é muito eficiente em entregar o que se propõe: diversão e entretenimento de qualidade. E isso basta.

O que nos leva à questão fundamental do romance entre Noah e Joanne, que aparece de cara, no primeiro episódio, e carrega a tensão da trama em todo o arco dos dez episódios.

Sem se aprofundar muito em várias subtramas que surgem e desaparecem rápido demais, o roteiro deixa algumas portas abertas para serem mais exploradas nos próximos episódios. Joanne não tem nenhuma implicância com o fato de Noah dedicar sua vida à religião, apesar de sua personagem ser tão neurótica.

Noah também não se atém ao fato de que ela ganha a vida falando de sua intimidade, e que, a partir do momento em que eles começam a se relacionar, é a dele também.

O fato é que Noah e Joanne são irresistíveis juntos, e a naturalidade da dinâmica entre eles faz aquela mágica tão procurada por comédias românticas e tão pouca vezes encontrada, que faz com que o público perdoe as falhas e torça por um final feliz.

Será que essas duas pessoas podem ficar juntas, mesmo com um obstáculo intransponível no meio? Pode o rabino gato namorar a loira gói e, no fim, ficar com ela? A resposta é óbvia, mas como é divertido assistir eles tentarem.

NINGUÉM QUER

– Avaliação Muito bom

– Onde Disponível na Netflix

– Classificação 16 anos

– Elenco Kristen Bell, Adam Brody, Justine Lupe

– Produção Estados Unidos, 2024

– Criação Erin Foster