SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os setores mais radicais da direita e da extrema direita no país seguem em expansão, em conjuntura marcada pela disputa de diferentes atores políticos, avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.

Para eles, o contexto é dinâmico e favorável à rápida subida ou queda de personagens que, embora contestem o mesmo campo, apresentam características diferentes.

O cenário se desenrola em quadro marcado pela inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ascensão de outros atores políticos, como Pablo Marçal (PRTB), que disputou o primeiro turno para a Prefeitura de São Paulo e ficou em terceiro lugar, com 28,1% dos votos. No contexto, termos como “bolsonarismo sem Bolsonaro” e “bolsonarismo 2.0” aparecem com frequência nas análises sobre os rumos da direita nacional.

A realidade, entretanto, tem mais nuances e fala sobre uma expansão da ultradireita que vai além do bolsonarismo, diz o professor de ciência política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Jorge Chaloub.

Ele diz ver uma expansão, para além do bolsonarismo, do que ele chama de ultradireita, definida pela junção de uma direita tradicional radicalizada ao longo dos anos com a extrema direita, cuja principal característica é tentar atuar por fora das instituições, em sanha golpista.

Compreender as nuances, afirma, importa para entender as disputas internas nesse campo que podem impactar o futuro da política.

Enquanto Bolsonaro seria ainda hoje a figura mais popular da extrema direita, Pablo Marçal, por exemplo, atua sem ter trajetória tipicamente bolsonarista, aponta o especialista.

Chaloub identifica com o adjetivo atores políticos que reivindicam constantemente um alinhamento político e ideológico com o ex-presidente, a exemplo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

“Não é que Marçal recuse Bolsonaro, mas ele nutre uma relação de ambiguidade com o ex-presidente”, afirma. “Ao mesmo tempo em que não quer perder o voto bolsonarista, quer se vender como alternativa no campo da ultradireita”.

Paralelamente, políticos da direita tradicional começaram a abraçar de maneira crescente pautas da extrema direita, como distinção a grupos minorizados, defesa do armamento e permissão de extermínio por parte da polícia. Compreender esse movimento, afirma Chaloub, é igualmente importante para entender a conjuntura nacional.

Exemplos de políticos com a característica seriam o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

Para Chaloub, Bolsonaro é uma figura da extrema direita que “só conseguiu chegar ao poder e governar porque contou com o apoio de setores da direita tradicional que se radicalizaram”.

Na concepção de Thais Pavez, cientista política e pesquisadora da USP, a capacidade do bolsonarismo de multiplicar possíveis novas lideranças demonstra sua atual resiliência e força. Isso se dá, afirma, em razão de aspectos como o fato de este ser um movimento descentralizado que tem força nas plataformas digitais e capilaridade social.

Pesquisa feita em março pela especialista apontou o espaço para novos líderes. Embora Bolsonaro ainda tivesse destaque, entrevistados que apoiavam o político cogitaram outras possibilidades de liderança para além do ex-mandatário nas próximas eleições presidenciais. Foram citados Tarcísio, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) (que, pela idade, só poderá concorrer em 2034), e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL).

Para as eleições municipais de 2024, os entrevistados tinham em março pouca informação, mas sinalizaram que o apoio de Bolsonaro a uma candidatura era relevante, embora não o suficiente para orientar o voto. “É um movimento que se descentraliza, mas essa descentralização não é sinônimo de fraqueza ou perda de apoio eleitoral”, afirma Pavez.

Na prática, Bolsonaro por vezes acenou a Marçal durante a campanha e só defendeu de maneira mais veemente a reeleição de Ricardo Nunes (MDB) na sexta-feira anterior ao primeiro turno. Na ocasião, chamou Marçal de idiota e o criticou por achar “que vai rachar a direita”.

Para a antropóloga Isabela Kalil, que coordena o Observatório da Extrema Direita, Bolsonaro ainda é inegavelmente a figura mais expressiva do campo.

Ela identifica o surgimento do bolsonarismo a partir de 2011, quando houve a projeção nacional do militar em programas de televisão.

Desde então, o movimento foi se consolidando em uma trajetória de mais de dez anos. Por isso, novas lideranças precisariam de tempo para ter a mesma tração e capilaridade do ex-mandatário.

Além disso, Bolsonaro ainda seria o único que consegue reunir o amplo apoio de diferentes setores da sociedade. Outras lideranças, como a senadora Damares Alves (Republicanos -DF) ou Michelle Bolsonaro, saem-se bem em grupos mais restritos.

A pesquisadora também afirma ser importante considerar que muitas das lideranças do bolsonarismo “atuam no limite da Justiça”. Por isso, diz, podem enfrentar percalços judiciais passíveis de comprometer sua trajetória política.

“Determinadas lideranças tensionam os limites do que é democraticamente aceitável, o que faz com que possamos ter um cenário dinâmico de substituição”, afirma.