BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A imprevisibilidade das tragédias climáticas, fenômenos cada vez mais frequentes do país, tem sido usada como principal argumento da Enel para escapar de multas impostas à empresa, em meio às sucessivas falhas de atendimento e demora na recomposição dos serviços de energia elétrica.

A companhia já soma mais de R$ 322 milhões em punições dadas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) desde 2018. Ocorre que cerca de 90% desse valor nunca foi pago, porque a Enel recorre a todas as instâncias administrativas e judiciais, alegando que não tem culpa pelos ocorridos.

Em fevereiro deste ano, a empresa foi alvo de uma multa de R$ 165,8 milhões, por causa da demora no restabelecimento da distribuição em novembro do ano passado, quando milhares de consumidores chegaram a ficar até uma semana sem energia. Nenhum centavo foi pago até hoje.

A decisão nesse caso foi do juiz Mateus Benato Pontalti, da Justiça Federal da 1ª Região. Em abril, ele suspendeu a multa, impediu a Aneel de adotar medidas coercitivas para a cobrança e também determinou que a agência se abstivesse de inscrever a empresa em cadastro de inadimplentes.

Está também suspensa multa de R$ 95,8 milhões aplicada em 2022 por falhas na qualidade de fornecimento. Nesse caso, a decisão foi do juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal da 1ª Região.

A reportagem teve acesso à defesa apresentada neste ano pela Enel, para tentar se livrar da punição de R$ 165 milhões. A empresa recorre ao fato extraordinário do evento climático, alegando que não podia prever os efeitos com “ventos e chuvas muito acima do previsto nos boletins meteorológicos, ocasionando diversos danos às redes da Enel SP, especialmente causados pela queda de árvores”.

Segundo a empresa, seu contrato de prestação de serviço não inclui regras de retomada de serviço nestas condições extremas, assim, a empresa não estaria descumprindo nenhum requisito legal, regulamentar ou contratual.

“Resta comprovada a extraordinariedade do evento climático, com ventos e chuvas muito acima do previsto nos boletins meteorológicos, qualificando-se como situação de força maior, de modo que não há como imputar o descumprimento, por parte da Enel SP, da sua obrigação de fornecer um serviço adequado e de forma contínua aos seus consumidores”, afirma a empresa.

A Enel foi procurada, mas disse que não iria se manifestar.

Nesta segunda-feira (14), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que essa situação vai mudar. “Hoje eventos climáticos severos são expurgados da avaliação contratual. No decreto de distribuição, as distribuidoras passarão a ser penalizadas, caso não tenham uma previsão ou planejamento necessário a evitar esse tipo de evento”, afirmou.

Até dezembro do ano passado, a Enel só havia quitado três multas por razões diversas —em 2018, 2019 e 2021—, as quais somam R$ 33 milhões.

PROBLEMAS RECORRENTES

Embora a Enel use o argumento de que se trata de situações extremas, a própria empresa reconhece que, “em todo o mundo, fenômenos climáticos como nevascas, tempestades, inundações, tornados ou incêndios, antes esporádicos e excepcionais, estão se tornando cada vez mais frequentes, intensos e imprevisíveis”.

Os próprios dados da empresa comprovam o aumento desse tipo de ocorrência, mostrando que não se trata de um cenário tão imprevisível. Em 2021, a concessionária registrou cinco eventos que levaram a um “estado de contingência” na distribuidora, uma situação de alerta ou emergência em que medidas extraordinárias precisam ser tomadas para garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica.

Em 2022, a empresa somou 14 eventos desse tipo. No ano passado, foram registrados 15 eventos de contingência.

“A Enel SP tem apresentado um resultado pior que a média Brasil para o tempo médio de restabelecimento nos anos de 2022 e 2023, bem como tem piorado de um ano para o outro. Além disso, o percentual de interrupções atendidas em até seis horas diminuiu, bem como aumentou para as interrupções atendidas acima de 24 horas, quando comparado o ano de 2022 a outubro de 2023”, disse a Aneel, em seu parecer que embasa o auto de infração de fevereiro.

De acordo com a agência, houve aumento no número de unidades consumidoras prejudicadas com interrupções de duração acima de 24 horas.

“Ficou evidenciada demora por parte da Enel SP para alocação de equipes para atendimento a ocorrências emergenciais”, afirmou a Aneel.