BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Há dez meses no poder, o governo de Javier Milei propõe agora revogar na Argentina uma lista de 70 leis que chama de inúteis, obsoletas e limitadoras da liberdade. Algumas delas datam da época do primeiro mandato de Juan Domingo Perón (1895-1974).

O porta-voz da iniciativa tem sido o ministro de Desregulamentação e Transformação do Estado, o ex-chefe do Banco Central e economista Federico Sturzenegger, chefe da última pasta que Milei criou para integrar seu gabinete, em julho passado. O ministro anunciou que o projeto já foi enviado ao Congresso, que deverá analisar a proposta.

São, em boa medida, leis que quase já não eram aplicadas. Uma delas, a lei 14.034, de 1951, diz que será punido com pena de cinco a 25 anos de prisão e com inabilitação o argentino que contribuir para a aplicação de sanções políticas e econômicas contra o seu país.

Nas palavras do ministro da Desregulamentação de Milei, é uma norma que “impõe pena de prisão aos argentinos que defendam, em âmbitos internacionais, os direitos humanos no país”.

Outras normas que a Casa Rosada quer deixar no passado incluem uma lei que permite a deputados e senadores estacionarem os seus veículos em qualquer parte —”um dos poucos exemplos tão claros do privilégio”, para Sturzenegger.

Mais, outras leis da lista premiavam com um montante em dinheiro aqueles que descobrissem uma mina de carvão no país que esteja em boas condições para ser explorada. O governo diz que se trata de algo que não condiz com um mundo das “energias renováveis”, ainda que pouco ou nada fale da mudança climática.

Outra lei, da época do final da última ditadura militar do país, em 1983, estabelece a internação forçada de pessoas com lepra. “Medieval, essa norma não apenas estigmatiza os que padecem dessa doença, mas também viola os direitos reconhecidos pela Constituição Nacional”, diz o governo.

A proposta de revogaço do governo Milei vem sendo chamada de Lei Hojarasca, algo como lei folhagem em português, uma alusão ao amplo volume de papel e também à velhice e obsolescência das normas. Ainda não há um calendário para que o projeto seja debatido e, ao menos até aqui, não houve amplos comentários contrários da oposição.

Um dos argumentos do governo que chamam a atenção é uma crítica ao que chama de regulação em excesso feita por militares, já que muitas das leis da lista foram criadas em épocas de regimes militares.

“Muitas das normas questionadas neste projeto vem de uma concepção militar que tem no excesso da regulação um fim em si mesmo, mesmo que isso signifique destruir a liberdade, a atividade econômica e inclusive a vida”, disse a Casa Rosada.

Isso porque o governo Milei propõe uma espécie de revisionismo em relação à última ditadura, de 1976 a 1983, ao tentar equiparar a violência promovida por grupos radicais de esquerda à violência institucional do Estado que prendeu, torturou e matou milhares de opositores, alguns deles nos chamados “voos da morte”.

“Quando o Estado cria burocracia e trâmites desnecessários, às vezes com o fins nobres, isso gera um impacto negativo para a segurança jurídica, a eficácia e o funcionamento do setor privado”, afirma.

Milei assumiu com a bandeira de reduzir a presença do Estado na sociedade. Derrubou controles de preços que permitiam amortecer os impactos no consumo frutos da inflação e da corrosão dos salários e reduziu ministérios. Uma de suas maiores promessas nesse sentido de desregulamentação, porém, não saiu do papel.

O ultraliberal insiste que não há previsão para derrubar o chamado cepo, a série de controles cambiais estabelecidos em 2019 e que limita a compra de moeda estrangeira por indivíduos e empresas.

Em recente entrevista ao Financial Times, ele disse que estabelecer uma data para a eliminação da medida é incompatível com seu “regime de liberdade”. Ao assumir, em dezembro passado, ele dizia que esperava eliminar os controles ainda neste 2024.