SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para uma Casa Folha cheia, o escritor senegalês Mohamed Sarr fez as vezes de encerramento da Flip, a Festa Literária de Paraty, neste domingo. Ele havia falado na programação oficial, no dia anterior, numa mesa com o vencedor do Jabuti Jeferson Tenório.

O primeiro autor subsaariano a levar o Goncourt, em 2021, com “A Mais Recôndita Memória dos Homens”, foi recebido por uma plateia empolgada em uma conversa com o editor de Livros da Folha de S.Paulo, Walter Porto. Qualquer ensaio de silêncio era preenchido por aplausos.

Ele navegou terrenos espinhosos —falou de categorização de sua literatura como negra e africana, da criação do cânone literário e das exclusões que ficam pelo caminho.

Sarr contou que, antes do Goncourt, seus livros ficaram nas prateleiras de literatura africana. Depois, ele se tornou literatura. “Literatura africana não é, então, literatura?”, questiona.

Ele avalia que é ambíguo categorizar alguma literatura como negra –ou feminina, ou LGBTQIA+–, porque, enquanto reconhece um problema de visibilidade, cria distinções.

“A boa literatura faz a gente esquecer das caixinhas de onde as obras são colocadas”, afirmou.

Mas ele se considera, sim, um escritor africano. Sarr lembra uma frase que viu na parede, numa visita ao ateliê de Daniel Jorge, em Salvador —”minha obra não é africana, mas eu sou”.

Tema de sua obra, Sarr discutiu a expectativa depositava num autor negro de performar certa “africanidade”. “Como você pode reduzir uma identidade a uma função?”, disse. “Como eu devo falar, como eu devo escrever para ser africano?”.

Para ele, a identidade não pode ser uma função, mas uma construção no tempo, feita a partir de experiências pessoais e íntimas. Essa exigência de performance acaba impedindo a escrita, “porque você fica respondendo a clichês”.

Sarr, que alfineta todas as camadas do mercado editorial em “A Mais Recôndita Memória dos Homens”, defende as obras que incomodam. “Seja um incômodo pela linguagem, seja pelas imagens que evocam.” Para ele, isso quebra a ideia de que os bons livros são aqueles em que nos vemos e com os quais nos identificamos.