SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos mais famosos personagens da história política do Brasil, Jânio Quadros foi prefeito de São Paulo por duas vezes, tendo acumulado controvérsias e jogadas de marketing em ambos os mandatos.

Em sua primeira passagem, de 1953 a 1955, ele se concentrou em modernizar o transporte público; na segunda, de 1986 a 1988, foi o responsável por criar a GCM (Guarda Civil Metropolitana) da capital paulista.

A primeira turma da GCM teve 150 agentes e foi efetivada em 1986. O curso para os primeiros profissionais durou 30 dias.

Hoje tema constante de propostas sobre ampliação de sua atuação, inclusive durante o atual processo eleitoral, a guarda nasceu com a função de proteger escolas, estabelecer o controle do espaço público e proteger o patrimônio municipal.

Nascido em 1917 em Campo Grande, hoje em Mato Grosso do Sul, Jânio teve uma ascensão rápida na política. Em 1935, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Concorreu ao cargo de vereador da cidade em 1947 pelo Partido Democrata Cristão, mas ficou na suplência. No ano seguinte, assumiu a função e, em 1950, foi eleito deputado estadual em São Paulo.

Eleito prefeito de São Paulo em 1953, quando tinha apenas 36 anos, ficou pouco tempo no cargo. Venceu as eleições para o governo do estado, assumindo a nova função já em 1955. Cinco anos depois, tornou-se presidente da República.

“Jânio é altamente controverso, mas foi um ótimo prefeito de São Paulo [no primeiro mandato], foi um bom governador do estado e foi um desastre como presidente. Funcionava melhor com espaço pequeno”, afirma o jornalista Ricardo Arnt, autor da biografia ‘Jânio Quadros: O Prometeu de Vila Maria”.

A primeira gestão dele ocorreu quando a cidade alcançava seu quarto centenário, em 1954, e tinha cerca de 2,8 milhões de habitantes, por volta de 25% da população atual. São Paulo vivia um processo acelerado de crescimento, situação que afetava fortemente o transporte público.

De acordo com o biógrafo, “o transporte público, que hoje é a praga dessa cidade, já era a praga em 1954”. “Jânio pregava moralização administrativa, investimento na periferia e melhoria no transporte coletivo.”

Foi na primeira gestão de Jânio que a cidade intensificou a substituição de bondes por trólebus. Ele também recuperou ônibus e bondes da antiga CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos).

“Investiu muito no transporte coletivo. Naquela época, as pessoas demoravam muito para sair da periferia e chegar ao trabalho, e os ônibus eram horríveis”, diz Arnt.

Ele também demitiu centenas de funcionários municipais em uma espécie de cruzada moralizante, na busca pelo combate à corrupção.

A eleição vencida por Jânio em 1953 era a primeira que São Paulo testemunhava desde 1930. Seu lema na campanha era “o tostão contra o milhão”. Ele criticava ainda a forma como o dinheiro público era gasto pelas gestões da cidade.

“Quando você olha o Pablo Marçal. O Jânio foi quem inaugurou o marketing na política, era o espetáculo em pessoa. Enquanto o Marçal é uma vitória da forma sobre o conteúdo, o Jânio tinha conteúdo”, afirma Arnt. “Foi um fenômeno. Ele ganhou seis eleições em 13 anos, uma ascensão meteórica.”

Assim como o mandato de prefeito, Jânio tampouco concluiu seu período à frente da Presidência. Renunciou ao cargo em 1961, após sete meses no poder. Sua saída desencadeou uma série de eventos que culminaram no golpe militar de 1964, ano em que teve seus direitos políticos cassados.

Considerado um político conservador, Jânio surpreendeu ao assumir a Presidência e estabelecer uma política externa que englobava relações com países que não eram potências econômicas mundiais.

Iniciou um processo de aproximação da União Soviética e da China em um período no qual o Brasil não tinha interação com esses países devido ao anticomunismo. Dias antes de sua renúncia, em agosto de 1961, condecorou o ex-guerrilheiro Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, uma das suas incontáveis controvérsias.

Uma de suas principais características políticas foi a ausência de identificação partidária, fator que ele mesmo deixava claro em sua trajetória, que inclui troca constante de siglas, dificuldade de se relacionar com outros Poderes e brigas com membros da própria legenda.

Jânio viveu uma fase de ostracismo político por 20 anos, durante a ditadura, antes de voltar ao comando da capital paulista pelo PTB. Para surpresa de muitos, ele venceu Fernando Henrique Cardoso (à época no PMDB) no pleito.

Sua segunda passagem na gestão municipal foi também seu último cargo público –morreu em 1992, menos de quatro anos depois de deixar a prefeitura.

Afeito ao uso de mesóclises (colocação do pronome no meio do verbo), Jânio tinha sua forma de falar criticada, o que contribuiu para popularizar uma imagem caricatural dele.

Arnt faz menções elogiosas ao primeiro mandato de Jânio na prefeitura, mas a avaliação muda ao se referir à segunda gestão: “Se antes ele era o dom Quixote, que defendia os pobres, com uma linguagem empolada, ao retornar já tinha virado um político tradicional, daqueles que ele combatia”.

“Ele acabou consagrado pelo avesso. Virou a encarnação do político fraudulento, cínico e ambicioso que ele tanto combatera. Essa que é a ironia. Foi a primeira grande desilusão nacional”, afirma o biógrafo.