SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Já há décadas é possível, graças a imagens de satélites e estações meteorológicas, identificar a formação e a evolução de furacões. Da mesma maneira, há muito tempo se pode prever com que força e para onde eles vão. Mas o que vimos nos últimos 15 anos foi um aumento significativo de precisão.

“A estrutura para previsão de sistemas extremos como furacões se manteve parecida ao longo dos anos”, diz Marco Aurélio Franco, professor do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo). “Mas tivemos melhorias muito significativas em duas grandes áreas: na capacidade computacional para assimilar, modelar e simular condições extremas; e no aumento significativo no número de estações meteorológicas, somadas aos satélites, que permitem uma boa cobertura de todo o globo terrestre.”

Lembrando o básico: o surgimento de furacões é produto da interação entre correntes de ar e o oceano, em que se forma em torno de uma região de baixa pressão atmosférica, com uma circulação fechada de ventos, produzindo grandes tempestades. Seguindo os padrões das correntes atmosféricas, esses chamados ciclones tropicais se formam sobre o mar e se alimentam dele, levando o ar quente e úmido a ser transportado até a alta atmosfera.

Conforme ele avança na direção da terra, perde força, pois já não tem mais o oceano a alimentá-lo. Porém, dependendo da potência com que chega ao continente, pode causar grandes estragos, como ocorre agora com o furacão Milton, na Flórida.

Os meteorologistas podem acompanhar e prever a movimentação e intensidade do fenômeno por meio de simulações numéricas feitas por computador, que, baseadas em dados reais obtidos por satélites e estações de superfície e em princípios básicos da física, extrapolam como serão as próximas horas e dias, até a dissipação das tempestades.

O processo é essencialmente caótico -envolve muitas variáveis, em fenômenos não lineares (em que se influenciam mutuamente) e que muitas vezes precisam ser simplificados nas simulações. Contudo, com o avanço da computação, esses exercícios estão cada vez melhores.

“Os computadores ficaram mais rápidos e melhores, mas não só isso. Os modelos também ficaram mais completos (e complexos)”, diz Franco. “Antes, muitas componentes desses modelos eram baseadas em hipóteses relativamente grosseiras sobre o comportamento da atmosfera e sobre a interação entre atmosfera e biosfera/oceanos. Hoje, eles representam muito melhor em termos físicos e de resolução espaço-temporal as interações complexas que ocorrem na atmosfera.”

O pesquisador da USP também destaca a importância dos grandes investimentos (sobretudo por países ricos) em satélites de maior qualidade e resolução. “Ficou mais fácil monitorar o clima terrestre em tempo real”, diz, lembrando ainda que, a despeito disso, ainda há um déficit de estações meteorológicas de superfície, e elas são bem mais precisas na caracterização da atmosfera que os satélites.

UM FENÔMENO EM TRANSFORMAÇÃO

Outro aspecto importante para a compreensão e predição dos furacões é a conexão que eles guardam com as mudanças climáticas. Está claro a essa altura que o aquecimento global, causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, está aumentando não só a frequência como a intensidade dessas grandes tempestades.

“Nesse caso do Milton, em particular, ele está relacionado a uma anomalia muito grande na temperatura da superfície do oceano [aliás, não só da superfície, mas em camadas mais profundas também]”, afirma. “Esse aquecimento anômalo é certamente devido às mudanças climáticas. Veja, aquecimento está relacionado à energia disponível naquele local, que é utilizada por um furacão, no caso o Milton, o que o fez mudar de categoria muito rápido.”

A IMPORTÂNCIA DOS ALERTAS

A principal utilidade dos modelos preditivos, claro, é permitir ações de prevenção, com evacuação das populações possivelmente atingidas. Mas é sempre preciso levar em conta as incertezas, mesmo com a melhoria das simulações. “Sistemas caóticos são difíceis de modelar. Hoje temos uma boa compreensão deles e de como ocorrem na atmosfera, mas previsão sempre é probabilidade, ou seja, sempre há ou não chance de ocorrer.”

Com isso, é natural alguma hesitação da parte das autoridades para alertar a população, “justamente por conta de toda a logística envolvida, o que pode acarretar inclusive em pânico e problemas mais complicados”.

Franco destaca que, no caso do Milton, as principais agências americanas emitiram inúmeros alertas, assim que foi observado um rápido e anômalo crescimento do furacão. Em poucas horas, ele saiu da categoria 2 para a 5. “Quebrando recorde! Foi algo realmente impressionante e, ainda, difícil de modelar. Vale ressaltar que as transformações no clima devido às mudanças climáticas ainda são um desafio para modelos.”

Essas incertezas, e a própria natureza das previsões, baseadas em simulações que exploram todos os desfechos possíveis, dos quais se tira uma média, com maior probabilidade de ocorrência, explicam as variações entre o que se espera e o que de fato acontece. No caso do Milton, ele chegou à costa por volta das 20h40 (horário local na Flórida), divergindo um pouco da previsão. Seu ponto de encontro com o solo também divergiu, ficando mais ao sul do que o inicialmente previsto.