RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma cantora de punk e outra de pop se apaixonam perdidamente, mas vivem entre tapas e beijos. Os interesses da indústria sobre Mimi, a nova diva de 2004, e seus fãs fervorosos a obrigam a esconder sua sexualidade, o que a separa de Billie.

Como o próprio nome do filme já entrega, “As Rainhas do Drama”, do francês Alexis Langlois e exibido no Festival do Rio depois de passar por Cannes, não teme exageros emocionais ou estéticos.

O musical é uma ode à juventude da década de 2000, mas vista pela lente queer, e se insere em uma onda de produções com personagens LGBTQIA+ que querem inovar suas temáticas para ultrapassar os limites impostos aos filmes considerados de nicho.

São muitos os títulos no festival que vão além dos temas da descoberta da sexualidade ou a homofobia e, mais que isso, têm a ambição de competir em categorias para além do Prêmio Félix, reservado a celebrar filmes LGBT.

O próprio longa que deu à largada ao evento foi “Emilia Pérez”, musical protagonizado por uma mulher transgênero que deixa seu posto como chefona do tráfico para fazer a transição.

Na disputa pelo prêmio de melhor filme de ficção, a principal do evento, concorrem “Baby”, de Marcelo Caetano, e “Retrato de Um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes. O primeiro acompanha Wellington, que se envolve com um homem mais velho depois de sair de um centro de detenção para jovens em São Paulo.

Já no longa de Gomes, inspirado no livro de Milton Hatoum, dois irmãos migram do Líbano em guerra para o Brasil, e a paixão de um deles por um comerciante muçulmano é o pontapé de uma intriga maior –motivada mais por ciúme do irmão.

“Estamos discutindo as famílias alternativas, o trabalho e as parcerias econômicas, assim como a violência policial e o caos reinante no centro de São Paulo”, diz Marcelo Caetano. “Essa intersecção de temas fez com o que o filme tenha sido exibido em festivais gerais como Rio, Cannes e Londres e tenha sido adquirido por distribuidoras que lidam com um mercado não nichado em seus territórios.”

Langlois, diretor de “Rainhas do Drama”, diz que, nos últimos anos, o cinema queer tem se reinventado. “Às vezes eu tenho a sensação de que o cinema queer é sempre delicado, e é ótimo também, mas me incomoda que não tenhamos a possibilidade de fazer algo maior. O melodrama pertence ao grande cinema, e pessoas LGBT ainda não conseguem fazer. Mesmo sem muito dinheiro, mesmo sem Hollywood, tentei fazer isso”, afirma.

Seu primeiro longa é um grande panfleto da década de 2000, com letreiros em fontes coloridas, celulares Nokia tijolão, bolsas e sapatos de plástico e calças de cintura baixa, e tudo isso é o pano de fundo para as protagonistas que ora estão fazendo sexo em uma balada e, na outra, gritando e trocando tapas em um estacionamento.

A estética familiar e cara –apesar de por vezes duvidosa– à juventude daqueles anos é acompanhada de hits chicletes típicos da época, criados especialmente para o longa.

O musical cômico é recheado, ainda, de referências ácidas à momentos marcantes e polêmicos da cultura pop –como quando Britney Spears raspou o cabelo– e ao início da internet, que se tornaria, nos anos posteriores, palco para a disseminação de ódio.

“Sou um grande fã dos antigos melodramas. Eu sempre quis fazer melodramas queer para oferecer ao público queer emoções romantizadas e intensas, grandes histórias de vida”, diz Langlois.

Ele também não vê problema quando as narrativas mencionam as dificuldades sociais impostas às pessoas LGBTQIA+. “O mundo é violento. É interessante mostrar como podemos lidar com isso em comunidade.”

Segundo Caetano, há dois movimentos acontecendo em paralelo. Por um lado, produções LGBTQIA+ estão se fortalecendo com o surgimento de distribuidoras e plataformas especializadas, enquanto festivais de gênero estão se fixando nos calendários de cidades ao redor do globo.

“Por outro lado, os filmes têm trazido outras questões para suas narrativas que escapam ou que se somam aos temas dos primeiros filmes LGBTQIA+, a afirmação da identidade contra uma sociedade conservadora e a descoberta amorosa.”

No festival, a Alemanha, por exemplo, aporta com três filmes LGBT, com destaque para “Baldiga”, um retrato do artista alemão Jürgen Baldiga, que capturou com sua câmera a comunidade queer na Berlim Ocidental.

Outros títulos que se destacam, ainda, são “Três Quilômetros para O Fim do Mundo”, de Emanuel Pârvu, que ganhou a Palma Queer em Cannes neste ano, “All Shall Be Well”, de Ray Yeung, vencedor do Teddy em Berlim, e “A Bela de Gaza”, de Yolande Zauberman, sobre a vivência de pessoas trans na Palestina.