LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sam Mendes não é estranho às grandes franquias de cinema. Foi ele, afinal, quem dirigiu o que muitos consideram o melhor capítulo da saga de James Bond, “007: Operação Skyfall”. Mesmo assim, o cineasta britânico não viu problema em tirar sarro desse ecossistema hollywoodiano movido mais por demandas de mercado do que por ambição artística.
É o que ele faz sem pudores em “A Franquia”, nova série da HBO. Na verdade, a ideia surgiu justamente numa conversa com o cocriador Armando Iannucci, em que lhe confidenciou algumas histórias cômicas dos bastidores de “Skyfall” e “007 Contra Spectre”.
Elas mais tarde serviriam de base para a trama que acompanha o dia a dia caótico no set de filmagem de um longa de super-herói. Ideia e roteiro são assinados ainda por Jon Brown, que virou joia da coroa depois de escrever “Succession” e cuidou de armar, em paralelo, uma disputa por poder no alto escalão do estúdio fictício Maximum.
Realidade e fantasia se misturam enquanto frases absurdas saem da boca dos personagens que caminham pelo enorme estúdio da Warner Bros. Discovery no Reino Unido, o Leavesden. “É provável que, ao mesmo tempo em que estávamos gravando essa sátira, algum filme de herói estivesse sendo gravado ao lado”, diz o ator Darren Goldstein, para quem o projeto é ácido, mas não cruel.
A Warner Bros. Discovery, afinal, é dona da HBO e também da DC Studios, responsável por franquias como “Batman”, “Mulher-Maravilha” e “Super-Homem”, reencarnadas num ritmo exaustivo, algo que se reflete na nova série. “Parece que demos muito conteúdo aos fãs e eles se engasgaram”, diz seu personagem num dos primeiros episódios, no que soa como um mea-culpa metalinguístico.
Tudo em “A Franquia” parece ter sido milimetricamente calculado para espelhar a realidade não só da DC, mas em especial da concorrente Marvel. Controlada pela Disney, ela precisou pôr o pé no freio depois de duas décadas lançando filme atrás de filme e perceber que o público já não está mais tão disposto a pagar o ingresso para a enésima aparição de seu herói favorito nas telas.
“Tivemos a ideia para a série há anos, quando os filmes de super-heróis estavam no auge, mas tudo ficou mais interessante quando as coisas começaram a mudar”, diz Brown. “Virou uma história sobre a queda de um império, sobre uma nova geração que chega a uma corrida do ouro que praticamente acabou.”
“A Franquia” é centrado no personagem de Himesh Patel, primeiro assistente de direção do novo filme do super-herói Tecto. Como num “The Office”, ele precisa lidar com situações e colegas de trabalho que beiram o nonsense, deixando para o espectador a tarefa de decidir o que é exagero e o que tem pé na realidade dos grandes estúdios americanos.
O personagem se encarrega de massagear o ego de um protagonista bonitão e inseguro com seu talento, de amansar um coadjuvante veterano que não está feliz com os rumos da carreira, podar as ideias mirabolantes do diretor europeu e autoral equivocadamente contratado e manter tudo funcionando aos olhos dos executivos que visitam o set embora eles estejam mais interessados em vender bonequinhos.
“É um sistema disfuncional e quebrado, mas você pode ver várias pessoas pondo seu coração e a sua alma naquele filme”, diz Brown, sobre personagens vividos por nomes como Richard E. Grant, Daniel Brühl, Billy Magnussen e Katherine Waterston.
Para o criador e diretor Sam Mendes, porém, não há crise na linha de produção de blockbusters de Hollywood, e sim uma transformação. Será uma crise quando as pessoas pararem de fato de ir ao cinema, diz. Ele acredita que, hoje, o espectador só impõe mais limites àquilo que quer ver numa telona.
“A demanda hoje é por filmes que entreguem espetáculo, imersão, eventos, catarse e uma experiência sensorial, porque o resto você consegue ter numa tela grande na sua casa. É um cenário menos animador que há 20 anos? Para mim, é. Mas não para outras pessoas”, diz Mendes, vencedor do Oscar por “Beleza Americana”.
“Alguns desses blockbusters poderiam ser melhores? Sim. Há uma maneira mais funcional de fazê-los? Sim. Mas ainda há a chance de termos algo como Pantera Negra e O Cavaleiro das Trevas para desafiar o modelo? Sim. Em resumo, se esse é o tipo de filme que queremos fazer, então vamos fazer bem, em vez de fazer qualquer porcaria.”
A FRANQUIA
– Quando Estreia neste domingo (6), na Max e na HBO
– Elenco Himesh Patel, Lolly Adefope e Daniel Brühl
– Produção Estados Unidos, 2024
– Criação Armando Iannucci, Jon Brown e Sam Mendes